A Organização Mundial da Saúde decretou, recentemente, emergência de saúde pública pelos casos de poliomielite na Ásia, África e Oriente Médio. O maior risco de propagação está no Paquistão, Camarões e Síria, e a organização convoca as autoridades locais a agir com campanhas de vacinação.
A erradicação dos vírus selvagens da poliomielite nas Américas é um marco notável da saúde pública. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) contribuiu de forma decisiva para este resultado, com o apoio laboratorial do Centro Nacional de Enteroviroses, do Departamento de Virologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a formulação e o fornecimento da vacina oral por Bio-Manguinhos, o apoio laboratorial e epidemiológico da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e o controle das vacinas pelo Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). Sendo a poliomielite ainda um problema mundial, é importante ressaltar o trabalho realizado pela Fiocruz para a erradicação da doença no Brasil e nas Américas.
Vacina era produzida em frasco antes de ser em bisnaga. A imunização foi responsável pela erradicação da doença. (Imagem Acervo Bio-Manguinhos)
Em 1981, foi firmado um acordo de cooperação técnica entre os governos do Brasil e do Japão, tendo como objetivo a transferência de tecnologia de produção das vacinas contra sarampo (Biken Institute) e poliomielite (Japan Poliomyelitis Research Institute) para o Instituto. Como parte fundamental do processo, Bio recebeu a colaboração do Departamento de Virologia do IOC, para o estabelecimento e a organização do Laboratório de Controle de Qualidade da vacina oral da poliomielite (OPV).
Akira Homma participou da transferência de tecnologia da vacina da pólio
Imagem tirada no II Sact (Ascom/Bio-Manguinhos)
Vários profissionais de Bio-Manguinhos, alguns ainda trabalham na unidade, participaram ativamente deste processo, como por exemplo o presidente do Conselho Político e Estratégico de Bio (CPE), Akira Homma, a vice-diretora de Qualidade, Maria da Luz Fernandes Leal (Malu), e a gerente da Divisão de Envase do Pavilhão Rocha Lima (Dieva-PRL), Helena Alves Becho Moura.
Nesse contexto, alguns colaboradores de Bio-Manguinhos e do IOC estiveram no Japão, para realizar treinamento em todas as atividades envolvendo o controle de qualidade da vacina, incluindo testes de neurovirulência em macacos, além das etapas de produção do antígeno viral e da formulação e envase da vacina. Com relação a essa experiência, Malu conta que Bio-Manguinhos iniciou o desenvolvimento da formulação da vacina a partir de concentrado de vírus importado. “Analisamos e definimos a composição de um melhor termo estabilizador e aperfeiçoamos uma formulação ideal da vacina para o nosso país e outros, de clima tropical, já que o japonês era voltado para temperaturas mais baixas”, explicou.
Malu relembra alguns desafios e avanços de Bio das últimas décadas
Foto tirada no II Sact (Ascom/Bio-Manguinhos)
Malu reforça que, nos primeiros quatro anos, a responsabilidade de distribuir nacionalmente as vacinas era de Bio-Manguinhos. Depois, foi criado o Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), que realiza este trabalho até hoje. “Era uma área no térreo do Pavilhão Rocha Lima, onde ficavam os containers. A distribuição nacional era difícil, assim como a própria produção. No início, Bio só tinha 24 tecnologistas. Olhando para trás, não tínhamos os aparelhos modernos, as condições de trabalho e normas rigorosas que temos hoje. Evoluímos muito tecnologicamente. Bio sempre prezou por aprimoramentos e capacitação dos funcionários e melhoramento dos seus processos”, afirmou a vice-diretora.
Em 1986, quando da ocorrência de uma epidemia de poliomielite provocada pelo poliovírus tipo 3 na região Nordeste, em população com altas taxas de cobertura vacinal, Bio-Manguinhos disponibilizou em apenas 40 dias formulações de vacina monovalente tipo 3 e trivalente potencializada para o sorotipo 3. “Produtores externos solicitaram um período de seis meses para modificar sua programação de produção para atender à solicitação do Brasil, mas nós conseguimos realizar esta entrega. A formulação foi adotada pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas) nos finais da década de 1980 para todos os países da América Latina e hoje é adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para todos os países de clima tropical”, lembrou Malu.
Mari Helena Gonçalves, Maria da Luz, João Silveira da Cruz, Ana Maia Yoshida,
Raouf Emile Sykora, Jurandir, Hiroshi Yarimizu, Luiz Antônio da Cunha e
Helena Becho / Foto do início da década de 80 (Acervo Bio-Manguinhos)
Em 1989, ocorreu o último caso de poliomielite por vírus selvagem em Sousa (PB) e, em 1994, o Brasil obteve o certificado da Opas da eliminação da poliomielite. “Fazíamos a produção em frascos, mas, a partir do início dos anos 90, com a modernização do laboratório e novos equipamentos, substituímos por bisnagas para facilitar a utilização em campo”, detalhou a vice-diretora.
Campanha de vacina contra a poliomielite e início de estratégia de multivacinação
Foto tirada em 86 (Acervo Bio-Manguinhos)
Com a intensificação das ações para a erradicação do poliovírus selvagem do mundo, especialmente na Índia e no continente africano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) precisa adquirir quantitativos da vacina superiores à capacidade instalada para o processamento final. Assim, torna-se de suma importância para o Programa Nacional de Imunizações (PNI) que Bio-Manguinhos forneça-a para manter os programas anuais de vacinação em massa. De 1984 a 2014, foram produzidos e fornecidos ao PNI 701.238.096 doses de OPV.
Malu acredita que é possível erradicar a doença mundialmente, se esses países mais atingidos seguirem o plano da OMS. “A Nigéria conseguiu grandes avanços nos últimos anos por conta do aumento da imunização da população. A Aliança Mundial para Vacinas e Imunização (Gavi, na sigla em inglês) também atuam fortemente naquela região, mas os intensos conflitos e guerras atrapalham o acesso às pessoas que não estão vacinadas”, opinou.