recusa vacinas pequena siteEm 2013, o médico infectologista Guido Levi lançou o livro Recusa de Vacinas - Causas e Consequências, no qual aborda o porque de existir resistência à vacinação entre determinados grupos. Desde 2013, a situação se deteriorou. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já listava a “hesitação em relação às imunizações” entre os 10 maiores desafios de saúde pública global, após o número de casos de sarampo triplicar no mundo, em relação a 2018. Segundo a OMS, esta hesitação, fruto da desinformação e compartilhamento das chamadas fake news, “ameaça reverter o progresso feito no combate às doenças evitáveis por meio de vacinação”.

Durante a pandemia da COVID-19, estes grupos não retrocederam – e o estrago que fazem colaboram para o que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) definiu como “infodemia”, a pandemia da desinformação.

Na introdução de sua obra, que permanece atual, Levi afirma:

"... há grupos de médicos e leigos que enchem a mídia, em particular a eletrônica, de informações negativas sobre as vacinas e de veementes apelos contra seu uso. Qual é a origem dessas informações? Algumas por má-fé (Wakefield – tríplice viral e autismo), outras por erros científicos (vacina da hepatite B e esclerose múltipla), por crenças religiosas ou filosóficas e ainda outras pelo simples desconhecimento dos fatos e dos dados abundantemente fornecidos por fontes científicas de seriedade indiscutível e, porque não, pela própria história da humanidade e da medicina em particular.

Será possível que tenhamos saudades dos tempos em que na Europa morriam cerca de 400 mil pessoas por ano por causa da varíola? Ou desconhecer que essa doença foi responsável pela morte de três milhões de nativos quando de sua introdução pelos espanhóis no Novo Mundo? Sem ir tão longe, na última década do século XIX morreram de varíola no Rio de Janeiro 8.599 indivíduos, em uma época em que a população da cidade era muitas vezes menor que a atual.

Em São Paulo, o Hospital de Isolamento (hoje, Instituto de Infectologia Emílio Ribas) foi construído com grande parte da verba vinda de subscrição pública, tendo sido inaugurado em 1880, justamente em razão da terrível epidemia de varíola que assolava o estado. E, indo menos longe, os médicos de minha geração puderam estudar a doença, ainda na década de 1960, em pavilhões lotados do Emílio Ribas e de outras instituições similares em várias partes do país, podendo assim verificar a frequência com que na evolução da doença ocorriam óbitos ou sequelas graves. Hoje, graças ao esforço mundial de vacinação que permitiu a erradicação da varíola, os médicos formados nas últimas décadas só conhecem essa doença por meio das ilustrações de livros antigos. E os menores de 40 anos não têm nem mesmo a marca da vacinação.

Alguém terá saudades da poliomielite com seus milhões de acometimentos anuais no mundo, e as paralisias acometendo as crianças desafortunadas em que o vírus produzia comprometimento neurológico? Saudades das muletas e dos pulmões de aço? E hoje, graças à vacinação, essa doença desapareceu em nosso meio e está quase totalmente erradicada no mundo todo, objetivo este que, embora agora próximo, já poderia ter sido alcançado há algum tempo não fossem as interrupções da vacinação por causa de contestações político-religiosas contra a vacina Sabin em alguns poucos países asiáticos e africanos.

E as epidemias de febre amarela que, citando o padre Vieira “deixaram as casas cheias de moribundos, as igrejas, de cadáveres e ruas, de tumbas”. Na segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro, a virose causou 58.063 mortes em uma cidade que em 1850 tinha somente 166 mil habitantes! Apesar da importância fundamental das medidas de saneamento, foi graças à vacinação em massa das populações em situação de risco que a febre amarela urbana não tem mais sido vista entre nós desde a década de 1940, sendo a forma silvestre observada em poucos casos anuais em um país como o nosso, de dimensões continentais e enormes áreas de mata.

O sarampo, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no ano 2000 teria causado cerca de 30 a 40 milhões de casos no mundo, com 770 mil óbitos. Entre nós, foi sempre a segunda causa de morte por doença infecciosa, perdendo somente para a diarreia. Na década de 1980, ainda tínhamos enfermarias lotadas de crianças com essa doença, com altíssima mortalidade e frequentes sequelas. Hoje, graças à vacinação, a maioria de nossos estudantes de medicina e dos médicos jovens jamais viu um caso sequer. 

Além disso, grandes avanços foram obtidos nas últimas décadas no campo das imunizações contra as meningites bacterianas. A vacina contra o papilomavírus humano (HPV) já tem mostrado resultados positivos na prevenção contra o câncer de colo de útero e também em outras localizações, abrindo assim caminho para o desenvolvimento de outras vacinas contra neoplasias. Em breve também estará disponível uma vacina protetora contra a dengue, responsável por tantos adoecimentos e mortes entre nós e em várias outras regiões do nosso planeta. 

Mesmo assim, ainda surgem polêmicas que muitas vezes causam prejuízos consideráveis aos programas de vacinação em várias partes do mundo. Quem são os antivacinacionistas? Quais são seus argumentos? Em que fontes se baseiam? Quais são as respostas da ciência a seus argumentos? Quais são os aspectos legais e éticos, em outros países e entre nós, envolvendo a recusa à vacinação?"

Faça o download do livro Recusa de Vacinas - Causas e Consequências

Consequências atuais da não vacinação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertaram para o “ declínio alarmante” no número de crianças que recebem vacinas durante a pandemia da COVID-19. “As vacinas são uma das ferramentas mais poderosas da história da saúde pública e agora mais crianças estão sendo imunizadas do que nunca”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “A pandemia colocou estes ganhos em risco. O sofrimento e as mortes preveníveis em crianças por conta da perda da imunização de rotina podem ser muito maiores que a própria COVID-19, mas não precisa ser assim. As vacinas podem ser entregues com segurança, mesmo durante a pandemia, e estamos pedindo aos países que garantam a continuidade desses programas essenciais para salvar vidas”.

Cobertura estagnada mesmo antes da pandemia

O progresso na cobertura da imunização estava estagnado antes da COVID-19, com 85% de índice para as vacinas contra DTP e sarampo. De acordo com a OMS, a probabilidade de uma criança nascida hoje obter todas as vacinas recomendadas globalmente quando atingir os 5 anos de idade está em alarmantes níveis inferiores a 20%.

“Em 2019, quase 14 milhões de crianças perderam vacinas que salvam vidas, como sarampo e DTP. A maioria delas crianças vive na África e provavelmente não terá acesso a outros serviços de saúde. Dois terços se concentram em 10 países de renda média e baixa: Angola, Brasil, República Democrática do Congo, Etiópia, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão e Filipinas. As crianças dos países de renda média representam uma parcela crescente deste ônus”, relata a OMS.

No Brasil, em 25 de novembro, a cobertura vacinal da população barsileira estava em apenas 58,45% - como apontam os dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS). Em 2019, as coberturas já estavam aquém do necessário. Confira:

Coberturas vacinais 25.11
Entre as consequências da baixa cobertura vacinal está o surto de sarampo que o Brasil enfrenta. Entre 29 de dezembro de 2019 e 24 de outubro de 2020 o Brasil registrou 8.261 casos de sarampo em 21 unidades da federação. Pior: ocorreram sete óbitos por sarampo, nos estados do Pará (5), Rio de Janeiro (1) e São Paulo (1).

Informações confiáveis

Unesco publicou o Manual da Unesco sobre Fake News, ensinando que perguntas as pessoas devem se fazer ao lidarem com algum conteúdo que pareça fantasioso. No Brasil, desde 2018 o Ministério da Saúde possui o canal Saúde Sem Fake News para desmentir boatos sobre os temas ligados à saúde. A pasta oferece ainda o whatsapp, através do número (61) 99289-4640, para fornecer respostas sobre as dúvidas dos cidadãos.

Em 2019, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou o evento As Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake News, e o material está disponível em uma série de vídeos no Youtube. A Agência Fiocruz de Notícias possui um Especial sobre Vacinação com seções com Fatos e BoatosPerguntas e Respostas, e o artigo A ameaça da baixa cobertura vacinal pelo SUS, dos assessores científicos de Bio-Manguinhos Akira Homma e Cristina Possas, que explica a necessidade da manutenção de altas taxas de cobertura vacinal.

No site de Bio-Manguinhos, oferecemos a sessão Perguntas frequentes sobre vacinas e também explicações específicas sobre as vacinas virais e as vacinas bacterianas.

 

Jornalista: Paulo Schueler. Imagem: Freepik.

 

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