A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está produzindo a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, através de acordo com a biofarmacêutica AstraZeneca, detentora dos direitos de comercialização desse imunobiológico. Poucos sabem, entretanto, que este acordo foi fruto de trabalho de prospecção que a Fiocruz realiza desde o início da pandemia da Covid-19.

Na ocasião, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), especificamente do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), iniciaram a busca por uma vacina para abastecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e oferecer à população brasileira.

Para isto, a Fiocruz, por meio de Bio-Manguinhos, foi designada como a instituição com capacidade de avaliar as tecnologias em desenvolvimento em todo o planeta.

Nortearam a busca a avaliação da vacina que naquele momento estava em estágio avançado de desenvolvimento, sinalizando a possibilidade de ser uma das primeiras a ser oferecida para a população; a aderência da tecnologia de desenvolvimento às instalações e competências técnicas já existentes em Bio-Manguinhos, o baixo custo, a transferência total da tecnologia e a potencialidade da plataforma para projetos futuros de novas vacinas.

A partir destes preceitos, a Fundação realizou análises prospectivas de diversos projetos de vacinas em desenvolvimento a partir de critérios tecnológicos, científicos, econômicos e clínicos. Nessas avaliações, foi identificada a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford como candidata promissora, que respondia aos condicionantes da Fiocruz.

Houve o avanço nas discussões técnicas com a AstraZeneca e, paralelamente, o Governo Federal firmou acordo de cooperação junto à Embaixada Britânica e ao laboratório. Com base nisso, Bio-Manguinhos/Fiocruz teve o aval para seguir com as negociações junto à empresa e optou pela vacina de Oxford.

Este processo foi formalizado em 8 de setembro, com a assinatura do contrato de Encomenda Tecnológica (Etec), que garantiu a Bio-Manguinhos o acesso a Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para o processamento final (formulação, envase, rotulagem e embalagem) e controle de qualidade da vacina Covid-19.

A ETEC também estabeleceu os parâmetros da Transferência de Tecnologia, cujo contrato foi assinado no dia 1º de junho de 2021 e que garantiu total domínio tecnológico para o país dispor de uma vacina de forma independente, com autossuficiência nacional na produção desse imunobiológico.

A vacina

A vacina, que foi registrada por Bio-Manguinhos sob o nome Vacina Covid-19 (recombinante), foi desenvolvida com a tecnologia de vetor viral não-replicante de adenovírus de chimpanzé.

Seus estudos clínicos de Fase III, para verificar eficácia, ocorreram no Brasil - sob coordenação da Unifesp - e em distintas regiões do mundo como nos Estados Unidos, Reino Unido e África do Sul. É disponibilizada em formato líquido, tem a apresentação de cinco doses por frasco e é injetável.

O adenovírus de chimpanzé é manipulado geneticamente para inserir o gene da proteína “Spike” (proteína “S”) do Sars-CoV-2. Depois de obtido, os adenovírus são amplificados em grande quantidade usando células cultivadas em biorreatores descartáveis. Estes adenovírus são purificados, concentrados e estabilizados para compor a vacina final.

Os adenovírus que compõem a vacina não podem se replicar na pessoa vacinada (vírus não-replicante), mas são reconhecidos por nossas células, que desencadeiam uma resposta imunológica específica para a proteína S, gerando anticorpos e outras células (células T) contra o novo coronavírus.

Nova tecnologia para esta e também novas emergências

Ao incorporar esta plataforma no conjunto de tecnologias já dominadas por Bio-Manguinhos/Fiocruz, a Fundação pode explorar novas alternativas para o desenvolvimento de futuras vacinas.

É esta capacitação e competência tecnológica que vão sendo consolidadas no país que permitem rapidez no desenvolvimento de insumos e serviços para saúde, inclusive nas futuras situações de emergência sanitária.

Não existiam vacinas registradas usando adenovírus de chimpanzé. A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford possui uma tecnologia inovadora, que se baseou em projetos anteriores usando adenovírus de chimpanzé para MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio causada por outro tipo de coronavírus) e ebola, os quais chegaram à Fase I de estudos clínicos.

Como a MERS foi controlada, não foi possível realizar estudos clínicos de eficácia, mas os projetos anteriores permitiram o rápido desenvolvimento de uma vacina para o SARS-CoV-2, pois já havia sido demonstrada a segurança do uso dessa tecnologia.

Existem vacinas baseadas em adenovírus humano (e não de chimpanzé) para ebola, uma aprovada na China desde 2017 e outra pela Comissão Europeia desde julho de 2020, implementada na República Democrática do Congo e em Ruanda, com mais 50 mil pessoas vacinadas.

Pandemia acelerou processos

Considerando a situação da pandemia da Covid-19, a OMS publicou em março de 2020 um documento contendo as principais diretrizes de forma a acelerar o desenvolvimento de produtos e fornecer um guia para priorização no desenvolvimento de vacinas.

Foi estabelecido um conjunto de características (target product profile) desejáveis a uma vacina para Covid-19. A vacina candidata não deve ter contraindicações, podendo ser usada em todas as faixas etárias, por grávidas e lactantes; ter perfil benefício/risco altamente favorável; ter eficácia de 70% ou mais, incluindo a população idosa; conferir proteção por ao menos um ano; ser administrada por via não parenteral e ser termoestável.

Outras características, mais importantes no uso para o controle de surtos, são a rápida indução de proteção, o uso em dose única e a possibilidade de rápido escalonamento de produção a um custo por dose que garanta o acesso a países em desenvolvimento.

Era improvável que uma vacina candidata atendesse todas as características desejáveis, mas houve um balanço entre elas. Produtos que não fossem capazes de atender a requisitos críticos provavelmente não teriam sucesso em um processo de pré-qualificação pela OMS.

A demanda para uma vacina para Covid-19 visa o controle da doença na população. A imunização diminui o número de pessoas susceptíveis à doença, o que leva a queda na circulação do vírus, permitindo o controle do número de casos.

Encomenda tecnológica previa risco

Por conta destes fatores, a Encomenda Tecnológica foi o modelo jurídico escolhido pela Fiocruz para concretizar o acesso da população brasileira a esta vacina. A Etec acelerou e fomentou o desenvolvimento de produtos (solução) para um problema para o qual não havia alternativa no mercado, as vacinas para Covid-19.

Da mesma forma, outros mecanismos de aceleração do desenvolvimento de produtos, tais como o ACT Accelerator, orquestrado pela OMS em conjunto com outras organizações (ex.: CEPI, FBMG, GAVI etc.); a Operação Warp Speed, dos Estados Unidos; e Europe's Inclusive Vaccines Alliance, da Comissão Europeia; reconheceram o momento de excepcionalidade gerado pela pandemia da Covid-19.

 

Jornalista: Paulo Schueler

 

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