revolta1Houve um momento em que Oswaldo Cruz foi apontado como "inimigo do povo" em discursos proferidos no parlamento da então capital federal, o Rio de Janeiro. Reflexo das ruas, de uma população receosa com as medidas sanitárias adotadas pelo então diretor de Saúde Pública, nomeado pelo presidente Rodrigues Alves. As críticas a Oswaldo e suas iniciativas pularam das ruas e debates políticos para os jornais, atingindo tom jocoso e irônico não apenas em caricaturas. O mesmo ocorreu no universo da música, gerou modinhas de Carnaval e é material até hoje pouco conhecido do público.

O Rio de Janeiro da primeira década do século XX foi palco de iniciativas como a vacinação obrigatória contra a varíola, a criação das brigadas de mata-mosquito e o extermínio da população de ratos.

Três dessas músicas estão digitalizadas e disponíveis para audição. Elas retratam tais iniciativas e são mais um indicador da desconfiança de que as medidas adotadas por Oswaldo Cruz poderiam gerar resultados satisfatórios.

Ressalte-se que nos arquivos de áudio aqui disponíveis, há trechos em que se perde parte da letra – fruto tanto das deficiências técnicas de gravações ocorridas com tecnologia rudimentar quanto do armazenamento mais que secular, nem sempre em condições adequadas. Essas eventuais imperfeições não afetam o valor histórico e cultural das gravações.

‘Vão meter ferro no boi’

A população carioca não acreditou na eficácia da vacinação obrigatória contra a varíola e se sublevou contra a medida, gerando ao menos 23 mortos e cerca de mil presos na “Revolta da Vacina”.

A – falta de – disposição da população em colaborar é retratada em Vacina obrigatória, interpretada por Mario Pinheiro. Não se encontrou registro exato sobre a data em que houve a gravação da melodia, supondo-se que seja anterior à Revolta, já que não faz menção aos embates entre forças de segurança e população sublevada.

marchinha-interna II

 

Vacina obrigatória

Intérprete: Mario Pinheiro

Ouça a música e acompanhe a letra

Anda o povo acelerado com horror a palmatória
Por causa dessa lambança da vacina obrigatória
Os manatas da sabença estão teimando desta vez
Em meter o ferro a pulso bem no braço do freguês

E os doutores da higiene vão deitando logo a mão
Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não
Seja moço ou seja velho, ou mulatinha que tem visgo
Homem sério, tudo, tudo leva ferro, que é servido.

Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai
Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo o mais
Mas a lei manda que o povo e o coitado do freguês
Vá gemendo na vacina ou então vá pro xadrez

Contam um caso sucedido que o negócio tudo logra
O doutor foi lá em casa vacinar a minha sogra
A velha como uma bicha teve um riso contrafeito
E peitou com o doutor bem na cara do sujeito

E quando o ferro foi entrando fez a velha uma careta
Teve mesmo um chilique eu vi a coisa preta
Mas eu disse pro doutor: vá furando até o cabo
Que a senhora minha sogra é levada dos diabos

Tem um casal de namorados que eu conheço a triste sina
Houve forte rebuliço só por causa da vacina
A moça que era inocente e um pouquinho adiantada
Quando foi para pretoria já estava vacinada

Eu não nesse arrastão sem fazer o meu barulho
Os doutores da ciência terão mesmo que ir no embrulho
Não embarco na canoa que a vacina me persegue
Vão meter ferro no boi ou nos diabos que os carregue.


 

‘Ratos baratos são necessários para estudar’

Em 1902, uma epidemia de peste bubônica fez com que Oswaldo Cruz criasse um agrupamento que passou a percorrer os bairros do Rio espalhando raticida e removendo lixo. Eles também foram autorizados a pagar cem réis por bicho morto entregue pela população. A iniciativa gerou um comércio de ratos, inclusive com criadouros dos roedores.

Das várias melodias compostas sobre o assunto, destaca-se Rato, rato, rato, de Casemiro da Rocha, que recebeu letra de Claudino Costa.

marchinha-interna

Rato, rato, rato

Autor: Casemiro Rocha e Claudino Manoel da Costa | Intérprete: Claudino Manoel da Costa

Ouça a musica e acompanhe a letra

Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão

Quem apanha ratos?
Aqui estou eu para comprar, para comprar
Ratos baratos
São necessários para estudar, para estudar
Já que vens saber
Que este viver é minha sina
Rato, rato, rato, rato
Na parada da vacina

Rato, rato, rato
Só se vê aqui no Rio de Janeiro
Rato, rato, rato
Quem os tiver já não passa sem dinheiro
Rato, rato, rato
É a nossa salvação
Pra esses nossos malandrotes não passarem
Todo dia sem o pão

Tem vendedor que compra ratos
Nunca tive um casamento
Nem procuro trabalhar
Ratos quando estou em casa estou prendendo
Ratos que no outro dia estou vendendo
Com (...) que é desconhecido
Nem por isso meu negócio assim produz
Tem que trazê-lo na memória,
O belo tempo de glória, dr. Oswaldo Cruz

Rato, rato, rato
Assim gritavam os compradores ambulantes
Rato, rato, rato,
Para vender na academia aos estudantes
Rato, rato, rato
Dá bastante amolação
Quando passam os garotos, todos rotos
A comprar rato, capitão (?)

 

‘Mestre Oswaldo vai dar cabo da maldita’

Entre 1897 e 1906, estima-se que pelo menos 4.000 imigrantes tenham morrido vítimas da febre amarela no Rio de Janeiro, levando a cidade a ser conhecida como “túmulo de estrangeiros”.

Apoiando-se na descoberta do cubano Carlos Finlay de que a doença era transmitida pelo Aedes aegypti, em 1903 Oswaldo Cruz formou brigadas de mata mosquitos e fixou a meta de livrar a cidade da febre amarela até 1907.

Os resultados foram mais que satisfatórios: no primeiro semestre de 1903, ocorreram 469 mortes por febre amarela. No mesmo período de 1904, os óbitos foram reduzidos para 39. Em 1906, o Rio de Janeiro estava livre da doença.

Febre amarela, interpretada aqui por Geraldo Magalhães, retrata o otimismo com a obtenção da meta sem perder o humor, ironizando Oswaldo Cruz por supostamente estar comprando “esqueleto de mosquito”, assim como havia feito com os ratos.

marchinha-interna III

Febre amarela

Intérprete: Geraldo Magalhães

Ouça a música e acompanhe a letra

 

Hoje em dia em falso rente (?)
Acabou-se a sua guerra
Do senhor, seu Presidente
Não há mais febre amarela

Entornou-se todo o caldo
E o mosquito já não grita
Porque o grande mestre Oswaldo
Vai dar cabo da maldita

Foi-se (...Inaudível...),
Foi de embrulho,
Foi de embrulho a passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz o Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907

(Ri)

Pois compra sempre o Oswaldo
Por subir com o figurão
Ratos 300 réis
Camundongos a tostão
Isso todo vale cobre
E o micróbio lança grito
Porque o Oswaldo anda comprando
Esqueleto de mosquito

Fiz economia, fiz barulho
Foi de embrulho, passeata,
Um manata fez barulho,
Arrumou-se a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907

(Ri)

Que ela acaba ou não acaba
Se apertar muito as varetas
Machucar todo o micróbio
Eu estou vendo as coisas pretas
Quero o tal mata-mosquito
Pra que não se faça feio
Que se bote (...........)
Que tem mais de metro e meio

E a economia foi de embrulho
Foi de embrulho, passeata
Um manata fez barulho,
Arrumou-lhe a grande lata
Diz Oswaldo da amarela
Que lhe tira o seu topete
Antes de 7 de março
De 907


Jornalista: Paulo Schueler. Imagens: Arquivo Fiocruz

 

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