Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado, foram confirmados 200 casos e em 2014 já foram contabilizados 71, até a primeira quinzena de fevereiro.

Para falar sobre esse tema, o Boletim da SBI ouviu Reinaldo Menezes Martins, consultor científico do Ministério da Saúde para o Programa Nacional de Imunizações. Em entrevista exclusiva, ele aborda as perspectivas sobre o sarampo no Brasil e no mundo, além de esclarecer sobre o controle durante a Copa e Olimpíadas.

Como está a situação global do sarampo?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu planos de eliminação do sarampo para todas as regiões do mundo, e informa (Weekly Epidemiological Record 2014; 89:45-52) que a aplicação de vacinas contendo o componente sarampo (isto é, sob a forma monovalente, dupla viral, tríplice viral ou tetraviral) levou a uma queda de 77% na incidência anual da doença entre 2000 e 2012, estimando que 13,8 milhões de mortes foram evitadas no mundo. Nas Américas, a taxa de incidência (por milhão de habitantes) caiu de 2,1 para 0,1, mas essa incidência foi, em 2012, de 125 na África, 47 no Sudeste da Ásia, e na Europa 37. A OMS confirma no documento citado que as Américas eliminaram o sarampo.

O que poderia explicar os surtos recentes de sarampo no Brasil com um número tão expressivo de casos quando comparado com os anteriores?

É preciso não perder a perspectiva. Há 30, 40 anos, eram notificados dezenas de milhares de casos de sarampo por ano no Brasil, e o número de casos era certamente muito maior, pois a vigilância era muito mais frágil do que agora. O sarampo era uma das causas mais importantes de mortalidade de crianças. Agora, temos confirmados 68 casos em 2010, 43 em 2011, em 2012, foi registrado um caso, 200 em 2013, 71 em 2014, sendo a maioria no Nordeste, com foco em áreas turísticas. Tudo indica que a origem da maioria dos casos é de turistas de proveniência européia, onde surtos de sarampo continuam a ocorrer. A Inglaterra teve mais de 3.000 casos em 2013, a Holanda mais de mil. Por outro lado, no Brasil, apesar das coberturas vacinais serem altas com uma dose, com duas doses foram mais baixas, e sabemos que as falhas vacinais com apenas uma dose são mais freqüentes. Além disso, em alguns municípios as coberturas foram mais baixas, apesar das altas coberturas no estado como um todo. Portanto, há uma combinação de fatores.

Como explicar os casos em que profissionais de saúde, com duas doses de vacina documentadas, tenham desenvolvido sarampo? A vacina perde a eficácia com o passar dos anos?

Como regra geral, casos de sarampo em pessoas com duas doses de vacina são muito raros, e para isso contribuem falhas primárias (por falha na primeira dose) e secundárias (por diminuição da imunidade ao longo do tempo).

O Brasil está correndo o risco de perder o certificado de eliminação da circulação endêmica do sarampo?

Acredito que não, pois o Ministério da Saúde está implementando ações enérgicas visando interromper a cadeia de transmissão nos estados afetados, e a população está consciente da necessidade de vacinar e revacinar contra o sarampo.

O vírus do sarampo sofreu mutações e por isso a doença está voltando?

A vacina de sarampo protege contra todas as cepas (variedades) de vírus do sarampo, portanto mutações do vírus não explicam o que está ocorrendo.

Como está a cobertura vacinal para o sarampo no Brasil?

As coberturas globais são elevadas, mas em alguns estados não são homogêneas, isto é, há municípios ou localidades com coberturas mais baixas, principalmente para a segunda dose da vacina.

Os eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas podem desencadear uma grande epidemia de sarampo no Brasil?

Grande epidemia, não. Mas há o risco de surtos mais ou menos localizados, como estão acontecendo agora no Nordeste.

A vacina do sarampo é realmente segura? Por que os europeus têm tanto medo dessa vacina?

Como toda vacina, as vacinas de sarampo (dupla viral, tríplice viral, tetra viral) têm eventos adversos, mas numa freqüência e gravidade muito menor do que os causados pelos vírus selvagens, que causam a doença em pessoas não vacinadas. Os vírus vacinais são atenuados. O que é melhor: receber os vírus atenuados da vacina, ou expor-se aos vírus selvagens? As pessoas que se opõem à vacina de sarampo (e a outras) em geral têm motivação filosófica ou religiosa e assim não conseguem ser convencidas pelas evidências científicas. Na Europa, a polêmica envolvendo a vacina tríplice viral e autismo foi infeliz e teve conseqüências negativas para a aceitação da vacina. Os autores do artigo que deu origem a essa polêmica se retrataram (exceto um), mas os efeitos negativos não foram totalmente eliminados. Mesmo assim, a grande maioria das pessoas se vacina contra o sarampo na Europa.

É possível, tecnicamente, eliminar o sarampo, assim como ocorreu com a varíola?

Sim, é possível, pois dispomos de uma vacina segura e eficaz, e o sarampo só atinge seres humanos. Se todos se vacinarem a doença desaparecerá, como a varíola.

Por que o Programa Nacional de Imunizações antecipou a segunda dose da vacina do sarampo para 1 ano e 3 meses, combinada na vacina Tetraviral em vez de manter a recomendação anterior, na qual o reforço era entre quatro e seis anos?

Os objetivos da mudança foram: Aumentar a cobertura vacinal da segunda dose de vacina, aplicando-a numa faixa etária em que a freqüência da criança aos serviços de saúde normalmente é maior; como o componente caxumba da vacina tríplice viral é menos imunogênico do que os componentes sarampo e rubéola, aproximando a segunda dose protege a criança contra caxumba de maneira mais completa mais precocemente; a vacina tetraviral (sarampo-caxumba-rubéola-varicela) aplicada após a tríplice viral (sarampo-caxumba-rubéola) induz menos reações febris (e consequentemente menos convulsões febris) do que quando é aplicada como primeira dose. Assim, a mudança do esquema minimizou os eventos adversos e protegeu mais precocemente contra as quatro doenças.

 

* Dr. Reinaldo Menezes Martins é consultor científico sênior de Bio-Manguinhos e concedeu entrevista à Boletim da SBI .

 

 

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