Parceria estratégica assinada nesta quarta-feira (30/7) visa garantir a qualidade e a biossegurança dos medicamentos hemoderivados que são fornecidos ao SUS, assegurando a soberania na produção brasileira.
A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) e a Fiocruz firmaram, nesta quarta-feira (30/7), uma cooperação para o desenvolvimento de um teste molecular inédito para detecção de hepatite A e Parvovírus B19 em plasma sanguíneo. O kit de testagem, 100% nacional, visa garantir a biossegurança e o alto padrão de qualidade na produção de medicamentos hemoderivados no Brasil, voltados para o tratamento, por exemplo, de infecções, queimaduras graves, sangramentos, coagulopatias (como a hemofilia) e doenças autoimunes (como a Síndrome de Guillain-Barré).
O teste terá como base a tecnologia já consolidada utilizada no teste molecular NAT Plus, produzido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) para a detecção de HIV, hepatites B e C, e malária em hemocentros brasileiros. Intitulado NAT Plasma Hemobrás, o novo kit será específico para atender os processos da estatal, mas seguirá os devidos padrões industriais nacionais e internacionais.
Os medicamentos hemoderivados são produzidos a partir do plasma excedente captado nas doações de sangue voluntárias realizadas pela população brasileira junto à hemorrede nacional (gerenciada pela Hemobrás), formada pelos hemocentros públicos e serviços de hemoterapia privados. De acordo com o Ministério da Saúde, apenas em 2023 (dados mais recentes), cerca de 3,2 milhões de bolsas de sangue foram coletadas no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2024, a Hemobrás recolheu uma quantidade recorde de 200,2 mil litros de plasma excedente e, para 2025, a expectativa é chegar a 250 mil litros captados. A futura adoção do teste desenvolvido pode permitir a testagem sistemática de grandes volumes de plasma coletados, garantindo a eliminação de unidades potencialmente contaminadas e a redução do risco de transmissão viral por imunoglobulinas e outros derivados.
Com a inauguração da fábrica da Hemobrás em agosto de 2025 e o início da produção em 2026, o Brasil deixará de enviar plasma para fracionamento no exterior, consolidando a autossuficiência na produção de medicamentos estratégicos como imunoglobulinas, albumina e fatores de coagulação. Sem a parceria para o desenvolvimento do novo teste, o país continuaria dependente de insumos estrangeiros para realizar essa etapa do controle de qualidade e biossegurança.
Em solenidade no campus de Manguinhos da Fundação, no Rio de Janeiro, a indústria de medicamentos estatal federal assinou um termo de cooperação com Bio-Manguinhos/Fiocruz.
"A Fiocruz é uma instituição reconhecida por sua longa trajetória em pesquisa aplicada, inovação e no desenvolvimento dos kits para diagnóstico validados nacionalmente. Essa cooperação oferece um suporte técnico-científico crucial para que a Hemobrás possa fortalecer nossos já eficientes processos de controle da qualidade do plasma, minimizando riscos sanitários e permitindo que a nossa produção 100% nacional tenha parâmetros tão seguros e eficazes quanto aqueles adotados pelo nosso fornecedor internacional. Além disso, é uma parceria que fortalece a base científica nacional e o Complexo Econômico e Industrial da Saúde [Ceis]”, afirmou a presidente da Hemobrás, Ana Paula Menezes.
Presidente da Fiocruz, Mario Moreira afirma que a parceria com a Hemobrás é mais uma ação de fortalecimento do SUS e trará ainda mais segurança no uso de hemoderivados. “São duas instituições públicas e estratégicas do Estado, comprometidas com a saúde de milhões de brasileiros e em oferecer produtos com eficácia e eficiência para o SUS. Essa cooperação reforça a Rede de Serviços Hemoterápicos do Brasil e o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, contribuindo para o aprimoramento da política nacional de sangue e hemoderivados, referência mundial pela sua excelência”.
A Fiocruz, por meio de Bio-Manguinhos, assume papel estratégico no desenvolvimento do novo teste molecular para hepatite A e Parvovírus B19, liderando toda a parte técnica do projeto. O Instituto é responsável pelo desenho da reação molecular multiplex, pela customização das soluções integradas (kits, equipamentos e softwares), bem como pela elaboração da documentação técnica necessária para a validação e posterior implementação do teste. A execução do projeto está prevista para doze meses, com entregas programadas ao final de cada etapa e acompanhamento técnico.
Diretora de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rosane Cuber Guimarães aponta que a incorporação do novo kit na parceria com a Hemobrás reforça a estratégia nacional de garantir a autossuficiência na produção de hemoderivados no Brasil. “Ao assegurar a qualidade e a biossegurança do plasma para fins industriais, o novo teste fortalece não apenas a cadeia produtiva, mas também a política pública de acesso a medicamentos estratégicos. A partir dessa parceria, as instituições federais de biotecnologia elevam seus padrões produtivos, alinhando-se às melhores práticas internacionais”, afirmou.
Metodologia NAT
O teste NAT (Nucleic Acid Testing) é uma metodologia de biologia molecular voltada à detecção precoce de material genético viral (DNA ou RNA) em amostras biológicas, como o plasma humano, antes mesmo da resposta imunológica do organismo. Ao reduzir significativamente a janela imunológica de detecção de agentes infecciosos como HIV, hepatites B e C, e, mais recentemente, malária, o NAT se tornou uma ferramenta essencial para garantir a segurança do sangue e de seus derivados. No Brasil, o desenvolvimento do NAT, um produto 100% nacional, foi conduzido por Bio-Manguinhos/Fiocruz a partir de 2002, por meio de um esforço articulado entre instituições públicas e o Ministério da Saúde (MS). Esse processo resultou na criação de um kit nacional com alto desempenho, menor custo em relação aos importados e capacidade de adaptação às necessidades locais.
Ao longo de duas décadas, a Fiocruz tem mantido um programa contínuo de pesquisa e desenvolvimento voltado à evolução dos testes, com destaque para a introdução da versão NAT Plus, que ampliou em toda a hemorrede o escopo da triagem para incluir o agente causador da malária. Estudos demonstraram a elevada eficácia do teste, inclusive em doadores assintomáticos e em regiões não endêmicas, prevenindo potenciais casos de transmissão transfusional. Essa capacidade de detecção precoce amplia significativamente a vigilância epidemiológica nacional, permitindo identificar e bloquear a circulação de agentes infecciosos antes que causem surtos ou coloquem em risco a segurança do sangue e de seus derivados.
A implementação do NAT Plus, primeiro kit diagnóstico do mundo a detectar a malária, elevou o Brasil ao mais alto patamar de segurança nas transfusões de sangue. A experiência acumulada com este projeto consolidou Bio-Manguinhos/Fiocruz como referência em diagnóstico molecular no país.
Imagens: Pamela Lang