Bio-Manguinhos promoveu o 3º Simpósio de Gestão, Qualidade e Reprodutibilidade em Ensaios Pré-Clínicos nos dias 18 e 19 de junho. O evento teve o objetivo de capacitar e qualificar profissionais para atuação na ciência em animais de laboratório, sensibilizando sobre a importância da gestão eficiente de pessoas e recursos para o alcance da qualidade e reprodutibilidade experimental. O encontro gratuito disseminou a ciência e integrou responsáveis técnicos, pesquisadores, profissionais, estudantes e parceiros. Mais de 300 pessoas estiveram presentes nos dois dias, ouvindo as palestras, visitando os estandes e trocando contatos, experiências e conhecimento.
Idealizador do evento, Rodrigo Müller, gerente do Laboratório de Ensaios Pré-Clínicos (LAEPC) de Bio-Manguinhos, apontou a relevância das pautas: “Reprodutibilidade é um dos temas mais importantes de que tratamos no nosso Simpósio. Trabalhamos na busca pela evolução científica com respeito aos animais considerando múltiplos fatores que influenciam os experimentos em laboratórios. Com controle detalhado, verificações, auditorias e cultura de cuidado de ponta a ponta”. Müller foi orador da palestra Gestão de Instalações Experimentais e Biossegurança em NBA-2 e NBA-3 de Animais de Laboratório, em que apresentou o LAEPC e os desafios da reprodutibilidade na ciência em animais em laboratórios.
É por meio das pesquisas do Instituto que produtos como vacinas e biofármacos são desenvolvidos. Vice-diretor de Inovação de Bio-Manguinhos, Ricardo de Godoi comentou os objetivos dos investimentos da instituição: “Fica clara a importância do que estamos construindo. Bio-Manguinhos ingressou nessa jornada do avanço tecnológico visando a ampliação do acesso ao SUS”. Presidente da Sociedade Brasileira de Animais de Laboratório, o pesquisador Murilo Vieira destacou: “Este Simpósio é de fundamental importância para o desenvolvimento dos ensaios pré-clínicos. Para termos boa gestão precisamos de profissionais qualificados, e este evento é a oportunidade para este aprimoramento”.
Os temas das apresentações foram variados, contemplando a diversidade de assuntos do campo de conhecimento. Para Diogo Alves, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, a pauta trouxe tópicos relacionados à vanguarda da medicina veterinária: “Estão bem alinhados ao que a Organização Mundial da Saúde Animal está desejando difundir para a população, principalmente a questão do bem-estar, do cuidado e do zelo”. Outro ponto importante abordado no Simpósio, Integridade de Dados em Instalações Animais foi a palestra de Guilherme Mulé, gerente do Projeto Cultura e Promoção da Qualidade de Bio-Manguinhos. A abordagem contemplou boas práticas na aplicação da integridade, ciclo de vida, origem e tipos de dados, além das medidas de controles organizacionais, operacionais e técnicos.
Luisa Braga, coordenadora do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e consultora em ciência de animais de laboratório, palestrou sobre A Importância da Legislação para a Pesquisa Científica no Brasil. “Garantir o bem-estar animal é muito mais produtivo para a pesquisa que desenvolvemos. Tratamos com vidas”, afirmou, defendendo o equilíbrio entre progresso científico e bem-estar animal. “Vamos chegar a um dia em que não será mais necessário usar animais. O incentivo a alternativas é um caminho para esse futuro. Precisamos que a sociedade entenda e esteja ao lado da ciência”, enfatizou. A especialista apresentou a Lei 11.794 de 2008, a chamada Lei Arouca, que abrange a criação e utilização de animais e trouxe avanços, incentivando métodos alternativos em pesquisas. Frisou o reconhecimento internacional da legislação brasileira como referência – uma das leis que melhor trabalha a introdução de métodos alternativos no mundo. E expôs o Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica, publicação do Concea de caráter informativo, que serve de orientação e consulta para cada uma das espécies. “Quem não tem capacitação não tem como trabalhar. Até trabalha, mas não encontra o melhor resultado”, explicou.
Pilares para a excelência
Construindo Conhecimento com Segurança: O Controle Sanitário na Pesquisa com Animais de Laboratório foi a apresentação de Danielle Chagas, coordenadora técnica da Instalação de Animais de Laboratório nos Departamentos de Parasitologia e Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB 2) da Universidade de São Paulo (USP). “Nosso foco principal precisa ser o animal. É necessário garantir que ele seja utilizado de maneira correta e ética”, esclareceu sobre monitoramento de saúde animal. “Não há reprodutibilidade se não sabemos com o que exatamente estamos trabalhando. Precisamos de informação”, concluiu.
Focada na quebra de paradigmas, Cleide Falcone apresentou responsabilidades do setor na palestra Implementando Padrões Excelentes nos Cuidados aos Animais no Dia a Dia de Trabalho. A coordenadora do Biotério e do Setor de Bem-estar Animal do Centro de Pesquisa em Animais do Brasil abordou estratégias para comunicar aos colaboradores sobre a adesão às práticas de bem-estar, a necessária capacitação das equipes e a cultura do cuidado associando bem-estar animal ao bem-estar estar dos colaboradores.
Na apresentação Impacto do Sistema de Gestão da Qualidade na Reprodutibilidade Científica, José Mauro Granjeiro, especialista sênior em Metrologia e Qualidade do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), falou sobre a preocupação no trabalho de pesquisa em biologia celular: “Cuidar de células é uma doação. Ainda dependemos de capacitação para saber o que fazer com os animais”, comentou, apontando elementos chave para a reprodutibilidade. “O mercado está carente, e a informação está na ponta das mãos. Basta buscar no celular para encontrar cursos, gratuitos inclusive”, citou, tratando também do papel do pesquisador na checagem de informações por meio de experimentos e a demanda pela criação da cultura de bem-estar animal, vista pelos especialistas como oportunidade para implementar gestão da qualidade.
Aprimorando a Reprodutibilidade
Olavo Amaral, coordenador da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou Estimando a Reprodutibilidade da Ciência Biomédica Brasileira: A Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade, palestra em que abordou a carência de dados e os principais obstáculos para realização de replicações em laboratórios – desvios inerentes ao modelo, ausência de linguagem comum e o chamado feudalismo acadêmico.
Zebrafish, o Peixe que Conquistou a Ciência teve a ecotoxicologista chefe do Laboratório de Fisiologia e coordenadora do Zebrafish Facility do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz Renata Medeiros como oradora. Ela apresentou características e vantagens do modelo com sistema imunológico que se assemelha ao humano, gerando resultados “impressionantes” em diversas áreas além da toxicologia. Pesquisadores descobriram que 70% dos genes do animal, conhecido como paulistinha, têm um equivalente nos seres humanos, possibilitando estudos em oncologia, inclusive.
O Zebrafish como Modelo Translacional foi a pauta de Bianca Ventura, responsável pela unidade Zebrafish (Danio rerio) do Biotério Central da Faculdade de Medicina da USP, que trouxe exemplos, justificativas para uso na pesquisa e aplicabilidade: “São diversos estudos de áreas muito variadas. Existem muitas técnicas que podemos utilizar para estudar genes relacionados ao hipopituitarismo congênito, descobertas sobre a deficiência hormonal ligada à hipófise”.
O Futuro dos Ensaios Pré-clínicos
Em Inovação Alternativa, Izabela Gimenes, coordenadora de Projeto em PD&I no INCQS, abordou as tendências em ensaios pré-clínicos. Entre as oportunidades para atuação na ciência por meio do empreendedorismo, Izabela mostrou o conceito de inovação aberta, que une organizações com desafios tecnológicos a startups que possam resolver, entregando solução. É o caso do projeto premiado Programa de Inovação Aberta: “O desafio da ciência é entregar produtos novos de forma segura. Métodos alternativos são inovadores por si só porque podem reduzir o número de animais, refinar técnicas para reduzir o sofrimento e substituir. É muito interessante porque poderemos atender demandas atuais de Bio-Manguinhos, como a produção de vacinas”.
Com o mesmo foco, Octavio Presgrave, tecnologista do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB) e coordenador do Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), ambos da Fiocruz, realizou a palestra Perspectivas dos Métodos Alternativos no Uso de Animais, em que foram apresentados conceitos, novas metodologias e a abordagem integrada na avaliação de testes. Lilian Calò, coordenadora de Comunicação Científica em Saúde do Centro de Informações em Ciências da Saúde da América Latina-Caribe / Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde (Bireme / OPAS / OMS), falou sobre Reprodutibilidade - Desafios na Atribuição da Confiabilidade aos Resultados Gerados. A fala trouxe reflexões sobre replicabilidade, prováveis causas da baixa reprodutibilidade e como melhorar o cenário por meio da orientação mais eficiente, promoções ou contratações. Levantou ainda a questão de como a inteligência artificial pode contribuir para atingir resultados: “Há potencial interesse no uso que a IA poderia ter para realizar avaliação por pares ou, ao menos, apoiar os pesquisadores”.
Joel Majerowicz, consultor em Ciência de Animais de Laboratório, palestrou sobre Aspectos de Biossegurança em Biotérios, trazendo a experiência de décadas como médico veterinário e a reflexão sobre a Lei de Biossegurança (11.105), práticas, procedimentos, instalações e equipamentos; exigências dos estudos com organismos geneticamente modificados; e classificação de risco. Também tratando da pauta, Claudio Mafra apresentou Alta Contenção Biológica em Ensaios com Animais: Inovações, Desafios Éticos e Tendências Globais. O professor titular no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular na Universidade Federal de Viçosa expôs aspectos éticos e regulatórios, tendências em métodos alternativos, evolução das políticas de biossegurança, impacto das preocupações sociais e ambientais e gerenciamento de riscos. O orador enumerou inovações tecnológicas e reforçou a responsabilidade com recursos para que sejam investidos de modo adequado.
Jornalista: Maria Carolina Avellar
Imagem: Marcos Afonso