peq naked vialEm janeiro deste ano, a FDA (Food and Drug Administration, agência regulatória dos Estados Unidos que se assemelha à Anvisa), concedeu status de "breakthrough" - espécie de selo de terapia inovadora - para a VAX-24, uma vacina que induz reposta imunológica contra as bactérias causadoras da pneumonia. A novidade é que o imunizante usa técnicas sintéticas em sua produção, incluindo química avançada e uma plataforma de síntese de proteínas sem células.

"A estratégia cell-free poderia modificar o mercado de imunizantes. Não vai substituir tudo que é feito hoje a partir de células, mas traz algumas novidades interessantes, por exemplo, na capacidade de armazenamento, que elimina a necessidade de câmaras frias", observa o professor do curso de Biotecnologia da PUC-PR, Humberto Madeira, que tem experiência em Biologia Molecular e é Ph.D. em Animal Science pela Universidade de Nebrasca.

O professor lembra que a técnica, em si, não é nova. Trata-se da ativação de processos biológicos sem o uso de células vivas intactas, e tem sido usada na ciência há mais de 50 anos como uma ferramenta de pesquisa, em laboratórios. "Agora, os cientistas estão revisitando a técnica para essa finalidade específica voltada para vacinas", explica. "Ainda é uma tecnologia muito cara, quando comparado ao custo de cultivar uma bactéria viva, por exemplo", analisa.

Marcos Freire, assessor científico de Bio-Manguinhos/Fiocruz, pondera que existem diferentes interpretações do que seria "cell-free". "Olhando apenas para os ingredientes farmacêuticos ativos (IFA) das vacinas, algumas poderiam ser consideradas livres de células. Uma vacina que tem como princípio ativo um polissacarídeo [açúcar] carregado por uma proteína pode ser considerada 'cell-free'. Na minha opinião, sim, mas este açúcar teria que ser produzido por processo síntese", explica.

"Eu olharia não apenas para o IFA, mas também para o processo de produção. As vacinas, em sua maioria, ainda são produzidas por processos biotecnológicos, mas as vacinas de mRNA trouxeram inovações nos processos de produção e hoje temos vacinas que poderiam ser consideradas sintéticas. Ou seja, vacinas produzidas por síntese", acrescenta.

Renascimento técnico

Esse "renascimento técnico" do cell-free na aplicação de vacinas pode trazer novas abordagens para o design de modelos sintéticos, além de biofabricação sob demanda. A estratégia cell-free funcionaria principalmente para vacinas bacterianas. "A vantagem principal de um sistema desse tipo é que o armazenamento e distribuição não precisa de uma rede fria, o que possibilita com que as vacinas sejam feitas sob demanda e colocadas em produção de forma muito mais rápida do que um sistema que depende de células", explica Humberto Madeira.

No entanto, existem desafios. Um deles, por exemplo, é garantir que essa proteína sintetizada esteja "dobrada corretamente" (a dobra ou enovelamento é o que permite às proteínas se combinarem para realizarem suas funções biológicas). No sistema cell-free isso é mais complexo do que num sistema com células "reais"- afinal, estas já são programadas para dobrar as proteínas de forma correta.

Marcos Freire faz um paralelo com as vacinas de mRNA, que também tiveram seu percurso de evolução na escada tecnológica. "Quando surgiram as primeiras patentes de uso de RNA como antígeno vacinal, as barreiras erram muito maiores: como produzir o RNA? Como estabilizar? Estas barreiras foram superadas e hoje temos uma prova de conceito clínico que demonstrou a segurança e eficácia desta abordagem. Só o tempo e o uso ampliados vão nos mostrar a duração da imunidade das vacinas cell-free, assim como a presença de eventos adversos raros", compara Marcos Freire.

Segurança e eficácia - os dois nortes da tecnologia

A tecnologia de mRNA (ou RNA mensageiro) deve aparecer com ainda mais destaque na elaboração de novos imunizantes nos próximos anos. A técnica se tornou mais amplamente conhecida pela população com a pandemia de covid-19, e tem a vantagem de ser flexível porque a sequência de RNA pode ser alterada rapidamente para poder agir contra novas variantes.

"As vacinas de RNA mensageiro demonstraram até mesmo um custo mais baixo, eu não consigo ver desvantagens. Uma vez dominada a tecnologia, potencialmente são as melhores vacinas, tanto pela eficácia quanto pela segurança que apresentam", avalia Humberto Madeira.

Marcos Freire reforça esse ponto: "Vacinas serão sempre guiadas por duas perspectivas básicas: segurança e eficácia", afirma. "As vacinas de mRNA estão, sem dúvida, na fronteira do conhecimento, eu diria que era uma tendência há alguns anos, mas este futuro chegou. No entanto, o mRNA não resolverá todos os problemas, ou seja, não é uma tecnologia que será usada para vacinas de forma universal. Com certeza, vacinas de mRNA para outros alvos surgirão em um futuro próximo", conclui.

Fonte: Época Negócios
Imagem: Getty Images

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