PEQ vacina infantilA caderneta de vacinação em dia é uma das principais aliadas contra a mortalidade infantil. No entanto, esse documento tão importante vem sendo deixado de lado nos últimos anos, principalmente após a pandemia. Em 2022, alguns dos principais imunizantes do calendário infantil tiveram menos de 70% de cobertura vacinal.

Dados preliminares enviados pelo Ministério da Saúde à Crescer apontam as seguintes taxas vacinais em 2022, até 8 de dezembro: BCG 67%; Hepatite B (em crianças até 30 dias) 59,27%; Pneumocócica 61,39%; Poliomielite 57,05%; Poliomielite 4 anos 53,27%; Pneumocócica (1º reforço) 54,45%; Meningococo C (1º reforço) 57,79%; Tríplice Viral D1 62,26%; Tríplice Viral D2 42,21%; e Varicela 54,68%.

Diante desse cenário preocupante, a Crescer conversou com especialistas que comentaram sobre os fatores que vêm impactando a queda das coberturas vacinas e quais são as principais estratégias que poderiam reverter essa situação.

Por que as taxas de vacinação estão tão baixas?
Apesar da pandemia ter influenciado a diminuição da cobertura vacinal das crianças, devido ao receio de sair de casa e a indisponibilidade de alguns serviços de saúde, esse declínio nas taxas de imunização já vinha sendo notado anos antes. Segundo a epidemiologista e ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Carla Domingues, já estava se identificando uma tendência de queda entre 2016 e 2017.

O êxito das vacinas, por incrível que pareça, pode ter sido um fator para essa diminuição das visitas aos postos de saúde. “Quando se tem muitos anos sem uma doença, justamente pelo sucesso do programa de imunizações, que conseguiu eliminar e controlar as doenças, essa geração de pais, muitas vezes, não conhece um caso de sarampo, meningite, difteria e coqueluche e começa a achar que não é importante tomar a vacina”, ressalta a epidemiologista.

No entanto, Domingues alerta que esse é um caminho perigoso, pois algumas enfermidades podem não estar presentes no território brasileiro, mas existem em outros países. Assim, as baixas coberturas vacinais da população brasileira podem abrir espaço para o retorno de doenças graves, como o que aconteceu com o sarampo. A infecção viral havia sido considerada erradicada do Brasil em 2016, porém, menos de dois anos depois, foram notificados surtos da doença nos estados de Roraima e Amazonas e, consequentemente, o Brasil perdeu a certificação de país livre da doença.

O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também destaca que os próprios profissionais de saúde, por não lidarem com algumas doenças que já foram erradicadas, muitas vezes, são menos rigorosos na recomendação da atualização da caderneta de vacinação.

Aliado ao desconhecimento da gravidade da doença, há também a disseminação de fake news nas redes sociais e isso acaba não deixando os pais confiantes quanto à segurança dos imunizantes. De acordo com Kfouri, o movimento antivacina ainda não é muito forte no Brasil. “A maioria não é antivacina. Alguns pais são hesitantes e impactados por essas notícias. Eles acabam ficando inseguros de vacinar os filhos”, explica o especialista.

Por isso, é importante realizar um intenso trabalho de comunicação, enfatizando a segurança dos imunizantes, que passam por rigorosos processos de aprovação. Outro problema seria a questão operacional. Muitas vezes, os pais estão trabalhando e não conseguem levar os filhos aos postos de saúde nos horários de funcionamento.

A falta de vacina também é um obstáculo significativo para não se alcançar as metas de imunização. As vacinas BCG (67%) e hepatite B em crianças até 30 dias (59,27%), em geral, são aplicadas dentro da maternidade, mas o que explicaria coberturas tão baixas? Bom, responder essa pergunta não é fácil! A ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações explica que há vários fatores que podem contribuir para esse cenário. “Infelizmente, nem todos os municípios têm maternidades e, muitas vezes, os bebês nascem em outro hospital e não são vacinados”, esclarece.

Há também a questão do desabastecimento das vacinas, como aconteceu com a BCG neste ano, em que muitas unidades de saúde ficaram sem o imunizante. As crianças nasciam e precisavam voltar outro dia para tomar a vacina e isso acabava dificultando a imunização, já que muitos pais não retornavam.

Como aumentar as coberturas vacinais?
Apesar de estar vivenciando um cenário preocupante, os especialistas ressaltam que o Brasil pode voltar a ser referência no mundo em relação à imunização. Para isso ocorrer, é necessário investir em estratégias importantes para recuperar a confiança dos pais no programa de imunização e, também, fazer com que os imunizantes cheguem até os pequenos.

Domingues lembra que na década de 80, quando se tinha baixas coberturas vacinais, houve uma grande mobilização, não só dos profissionais de saúde, como também da população civil, para incentivar a vacinação das crianças. Foi nessa época que surgiu o Zé Gotinha. Dessa maneira, levar o filho para se vacinar era um momento de festa.

Para a epidemiologista, é preciso voltar a falar da importância da vacinação. No entanto, não só isso, mas também permitir que os pais tenham oportunidade de ir aos postos. “Que os empresários facilitem a liberação de seus funcionários para que eles levem os filhos para se vacinar”, sugere a médica. Entre outros fatores estão: a ampliação do horário de vacinação nas unidades de saúde e ter postos volantes disponíveis em localidades de difícil acesso — mesmo nas áreas urbanas. “Não podemos ficar esperando, passivamente, que o cidadão chegue para vacinar seus filhos”, declara.

A médica diz, ainda, que as unidades escolares tiveram um papel fundamental para estimular a vacinação na década de 80 e podem ser aliadas nesse momento também. “Temos que voltar a ter esse elo com a escola e garantir que toda pessoa que esteja matriculada tenha sua caderneta de vacinação atualizada”, afirma a especialista. Porém, ela ressalta que essa atitude não seria para coibir a matrícula, mas para se pensar em estratégias para imunizar os alunos, como o incentivo da vacinação dentro da escola.

Outra proposta interessante citada por Domingues é a emissão do atestado de imunização. Quem é mãe e pai sabe como é difícil, muitas vezes, entender a caderneta de vacinação dos filhos. Afinal, são muitos imunizantes e com diferentes doses, dependendo da idade da criança.

Com a implantação do atestado de vacinação, os pais poderiam ir ao posto de saúde e os profissionais avaliariam se a criança está com a caderneta atualizada. Em caso positivo, é possível emitir um atestado de vacinação, que pode ser apresentado inclusive nas escolas. “O que acontece é que os pais tiram cópia da caderneta de vacinação e entregam para professor. Mas, muitas vezes, esse educador não sabe se a vacinação está em dia ou não”, explica a epidemiologista. Além disso, a médica salienta que o Sistema de Saúde já deveria fazer com que todo cidadão tivesse uma carteira de vacinação online.

As campanhas de vacinação também têm um papel fundamental para o aumento da cobertura vacinal. Segundo a epidemiologista, a campanha da Influenza — em que há a vacinação de crianças de 6 meses a menores de 5 anos — é uma importante oportunidade para atualizar a vacinação de outros imunizantes também. Por isso, é essencial que ocorra uma articulação do governo para aproveitar todas as ocasiões em que é possível colocar a imunização dos pequenos em dia.

Em relação aos imunizantes, Domingues destaca a importância de se aumentar a cobertura de todas as vacinas. No entanto, para ela, algumas são prioridade: coqueluche, difteria, Haemophilus influenzae tipo b (que causa principalmente a meningite), pneumonia (uma das principais causas de mortalidade infantil), poliomielite e sarampo.

A vacina tríplice viral é a principal no combate ao sarampo. No entanto, segundo os dados do Ministério da Saúde, a segunda dose do imunizante tem uma das menores coberturas: apenas 42,21%. Esse é um dado preocupante, pois a doença é muito crítica, podendo causar problemas respiratórios gravíssimos e até mesmo levar a óbito.

Já a pólio, difteria e coqueluche já vêm tendo casos em outros países e ainda é uma ameaça para a população. Vale lembrar que a vacina dTpa, que protege contra a coqueluche, difteria e tétano, também deve ser aplicada nas gestantes.

Diante desse cenário de queda das coberturas vacinais, os especialistas são categóricos: é preciso melhorar as estratégias de comunicação e divulgar mais os benefícios da vacinação. Se olharmos para o passado, doenças como a poliomielite e sarampo foram grandes ameaças para os pequenos e deixaram muitas famílias devastadas, além de sobrecarregar os sistemas de saúde. “Imagine, nesse momento, termos que discutir leitos de UTI para a covid-19 e para doenças que podem ser prevenidas com a vacinação”, alerta a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações.

 

Fonte: Crescer Online
Imagem: Getty Images

 

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