O Boletim Epidemiológico 40 - Volume 52, publicado em novembro pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, foi dedicado em sua totalidade ao conceito de "Saúde Única", denominação em português para o One Health, que a Organização Mundial da Saúde passou a adotar para interpretar os fenômenos de saúde pública e propor políticas de promoção do "bem viver".

O documento foi redigido pela Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial, que integra o Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da SVS. A escolha dos autores pode não parecer óbvia á primeira vista, mas entende-se ao lermos logo no início do Boletim:

"Hoje, aproximadamente 60% das doenças infecciosas que afetam os seres humanos apresentam origem zoonótica, sendo que em média cinco novas doenças aparecem todos os anos e três delas decorrentes da interação homem-animal. Quase 75% das doenças infecciosas emergentes que afetam humanos, em parte com grande impacto à população humana, como ebola, COVID-19 e influenza, tiveram origem animal. Outras doenças zoonóticas como febre amarela, febre do Nilo Ocidental, raiva, brucelose, gripe aviária ou febre do Vale do Rift também representam riscos para a saúde pública e devem ser manejadas cuidadosamente".

O Boletim informa ainda que 80% dos agentes com potencial de serem utilizados como armas de bioterrorismo são patógenos zoonóticos. Portanto, a incorporação de tecnologias e a inovação para a vigilância e controle de doenças deve considerar as interações entre meio ambiente, animais e humanos, pois os patógenos dispersos no ambiente - já foram catalogados 6,5 mil espécies de vírus e se calculam em centenas de milhares as ainda desconhecidas - podem "passar a ser transmitidas de humano para humano e/ou circular entre animais, vindo a tornar-se amplificadores ou reservatórios de patógenos humanos e gerar enormes crises mundiais de saúde", descreve o Boletim.

O documento passa a citar exemplos desta "interação" e suas consequências sobre a saúde pública:

"Descrita em 2000 a.C., a raiva é um exemplo de doença que impacta na saúde decorrente da interação homem-animal e ainda hoje continua causando grande preocupação aos países, com estimativas de provocar mais de 60.000 óbitos ao ano no mundo. A pandemia de AIDS na década de 1980 e o surto de Ebola acontecido entre 2014-2016 na África Ocidental, conhecido como o maior surto mundial desde que o vírus foi descoberto, deixaram claro que as ameaças emergentes podem cruzar as barreiras nacionais, culturais e interespécie. Nas últimas décadas, a frequência e intensidade de surtos e epidemias de origem zoonótica têm aumentado de modo preocupante e, assim, provocado maior consciência sobre suas ameaças para a saúde global na humanidade".

A própria pandemia da COVID-19 é fruto da transmissão inicial do vírus SARS-CoV-2 de um animal para um hospedeiro humano, cabe lembrar.

As saúdes humana e animal são interdependentes e condicionadas pelo ecossitema que compartilham. Além de pandemias, epidemias e surtos, cabe citar outra grande crise de saúde pública: a resistência antimicrobiana. Parte da origem deste problema está no abuso do uso de antibióticos em animais confinados para fins de consumo alimentar humano, e permitem a dispersão de superbactérias no solo e nos lençois freáticos, contaminando água potável.

Os riscos são crescentes. De acordo com o Boletim, "os riscos de transmissão de patógenos entre animais e humanos são amplificados pela ação humana sobre os ecossistemas por meio de impactos ambientais, da globalização e das mudanças no clima, que podem propiciar a proliferação, distribuição, e a evolução favorecendo a dispersão de patógenos pelo mundo".

Sendo assim, descreve o material, "serão necessárias a elaboração de políticas públicas apropriadas de saúde, sanidade animal e conservação de espécies e do meio ambiente, que persigam o desenvolvimento de estratégias nos âmbitos locais, regionais, nacional e global, visando fortalecimento da governança adequada e melhor alocação de recursos públicos e privados. Como forma de aprimorar as ações mundiais, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) vêm trabalhando há muitos anos conjuntamente, por meio de uma aliança global".

 

Jornalista: Paulo Schueler. Imagem: Jcomp, Freepik.

 

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