O artigo abaixo, de Paulo M. Buss e Danieely de Paiva Magalhães, analisa o relatório conjunto IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em 10 de junho. Elaborado pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas, o O documento destaca as conexões entre saúde, biodiversidade e clima e aponta porque o combate à crise climática deve estar na agenda da promoção da saúde pública global.

Confira:

 

O bem-estar humano está relacionado, ao mesmo tempo, à proteção da biodiversidade e ao clima

Proteger a biodiversidade, evitar mudanças climáticas perigosas e promover uma qualidade de vida aceitável e equitativa para todos são os desafios de três acordos globais: o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)1; o Acordo de Paris para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)2; e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS)3, respectivamente. Embora cada uma dessas iniciativas tenha objetivos específicos, suas consequências e sucesso estão intimamente ligados – o fracasso em lidar conjuntamente com a dupla crise de mudança climática e declínio da biodiversidade pode comprometer a boa qualidade de vida das pessoas (IPBES, 2019).

A necessidade de considerar as inter-relações dessas três crises foi analisada no recém-lançado relatório conjunto da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), intitulado IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change4, produzido pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas.

O relatório explora as conexões da biodiversidade e do clima para o bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. O relatório reforça que a ação das atividades humanas, como alterações no uso da terra/mar e a combustão de combustíveis fósseis, são as principais causas diretas da perda de biodiversidade e mudanças climáticas, porque altera a superfície terrestre, a química atmosférica e dos oceanos. Como sabido, o constante aumento da concentração de gases de efeito estufa desde a revolução industrial não somente causa a elevação da temperatura média da Terra, mas também altera os regimes de chuva e aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes, furacões, tornados, ondas de calor e queimadas. Como exemplo, nos ambientes aquáticos, as altas temperaturas diminuem a concentração de oxigênio e promovem a acidificação do ambiente – essas alterações impactam negativamente a biodiversidade, devido às modificações nas condições ótimas de sobrevivência e perda de habitats. Reciprocamente, biodiversidade tem papel fundamental nos ciclos de carbono, nitrogênio e água, e sua perda exarceba os efeitos das mudanças climáticas e torna ainda mais difícil controlá-los.

Entre os esforços citados pelo relátorio para a preservação da biodiversidade e controle do aquecimento global estão: diminuiçao da queima de combustíveis fósseis e a substituição por energias renováveis, diminuição do desmatamento nos trópicos, conservação de ecossistemas ricos em carbono (ex: manguezais, turfeiras, savanas e pântanos), promoção de agricultura orgânica e silvicultura sustentáveis, e corte de subsídios às atividades económicas prejudiciais ao ambiente.

Mas qual a relação da temperatura e da biodiversidade com a qualidade de vida humana? A sociedade humana depende dos serviços que a natureza oferece. Portanto, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e a saúde pública. As mudanças climáticas também ameaçam os elementos básicos de que todos precisamos para uma boa saúde, como ar limpo, água potável, produção de alimentos e abrigo seguro, e minará décadas de progresso na saúde global. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.

A pandemia de Covid-19 nos trouxe evidências concretas sobre as inter-relações da biodiversidade e as mudanças climáticas na saúde humana. A degradação e alteração ambiental, juntamente com o crescimento do comércio de animais selvagens, aproximaram a vida selvagem de animais domésticos e seres humanos, como os morcegos que carregam vírus que podem cruzar as fronteiras das espécies5. A mudança climática gerou a perda de habitat que contribui para essa proximidade e também ampliou (por meio de enchentes, ondas de calor, incêndios florestais e insegurança alimentar) o sofrimento dos humanos durante a pandemia pela Covid-196.

O importante e inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções adequadas para qualquer delas. As políticas que abordam simultaneamente as sinergias entre a mitigação da perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que consideram seus impactos sociais, oferecem a oportunidade de maximizar os cobenefícios e ajudar a atender às aspirações de desenvolvimento de todos. A implementação de soluções bem-sucedidas e transformadoras tem implicações específicas para sua governança conjunta.

Há uma certa urgência para enfrentar esses desafios conjuntamente. Nenhuma das vinte metas de Aichi7 acordadas para 2020 foram totalmente alcançadas pelos países signatários – apenas 23% estavam alinhadas com as metas do plano. O Acordo de Paris tem a ambição de manter até 2030 o aumento de até 2° C dos níveis pré-industriais, com objetivo de ficar o mais próximo de 1,5° C. No entanto, a temperatura global já aumentou 1,2° C. Outras projeções sugerem que alcançaremos temporariamente 1,5° C, em um dos próximos cinco anos8 (WMO, 2021). Eventos catastróficos são esperados, se o aumento da temperatura for 1,5° C acima dos níveis pré-industriais, como perda de biodiversidade e perda e degradação de habitat.9

De acordo com o último Relatório de Lacuna das Emissões (em inglês Emissions Gap Report 2020), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente10, as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (em inglês Nationally Determined Contributions - NDCs) permanecem seriamente inadequadas para atingir os objetivos climáticos do Acordo de Paris e levariam a um aumento de temperatura de 3,2° C (3,0 - 3,5 ° C) pelo final do século, com probabilidade de 66%. No melhor cenário, se todos as NDCs forem implementados e os países alcançarem suas emissões líquidas zero, as projeções até o final do século são estimadas em 2,5–2,6° C. Essas projeções já são bastante preocupantes para a questão ambiental e, na área da saúde, as estimativas são de que, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas deverão causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano, de desnutrição, malária, dengue (e outras doenças transmitidas por vetores), diarreia e estresse por calor11. Os custos diretos de danos à saúde (ou seja, excluindo os custos em setores determinantes da saúde, como agricultura, água e saneamento) são estimados em US$ 2 a 4 bilhões/ano, até 2030. No entanto, essas projeções não consideram os efeitos da perda da biodiversidade.

Os próximos passos nesses fascinantes e desafiadores espaços globais da questão ambiental são a COP 15 da Biodiversidade (Kunming, China, 11-24 de outubro de 2021) e a COP 26 sobre Mudança Climática (Glasgow, Escócia, 1-12 de novembro de 2021). A décima quinta reunião da Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) vai revisar a implementação do Plano Estratégico da CDB para a Biodiversidade 2011-2020. Prevê-se também que será tomada a decisão final sobre a estrutura global de biodiversidade pós-202012, assim como decisões sobre tópicos relacionados, incluindo capacitação e mobilização de recursos. Já a COP 2613, esperada com ansiedade pelos ativistas de todo o mundo, promete uma árdua batalha entre governos, empresas e sociedade civil sobre a ambição com que o mundo tratará de impedir a catástrofe ambiental.

 

1 - https://www.cbd.int/decision/cop/?id=12268
2 - https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/ODS/undp-br-ods-ParisAgreement.pdf
3 - https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
4 - https://www.ipbes.net/sites/default/files/2021-06/2021_IPCC-IPBES_scientific_outcome_20210612.pdf
5 - https://findresearcher.sdu.dk:8443/ws/portalfiles/portal/169743119/a205025_web.pdf

6 - https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13280-020-01447-0
7 - Buss, PM e Magalhães. DP. As estreitas relações entre a pandemia e a biodiversidade. Acesso: https://www.cee.fiocruz.br/?q=As-estreitas-relacoes-entre-a-pandemia-e-a-biodiversidade
8 - https://public.wmo.int/en/media/press-release/new-climate-predictions-increase-likelihood-of-temporarily-reaching-15-%C2%B0c-next-5
9 - https://www.ipcc.ch/sr15/
10 - https://www.unep.org/emissions-gap-report-2020
11 - https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-and-health
12 - https://www.cbd.int/article/zero-draft-update-august-2020
13 - https://2nsbq1gn1rl23zol93eyrccj-wpengine.netdna-ssl.com/wp-content/uploads/2021/06/COP26-Explained_.pdf

 

Autores: Paulo Buss (diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz - Cris/Fiocruz) e Danielly de Paiva Magalhães (doutora em Química Ambiental). Imagem: Bilanol, Freepik.

 

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