O surgimento de novas cepas do vírus SARS-CoV-2, ou mutações, como também são conhecidas, é esperado pela ciência, mas há risco de disseminação em todo o país. A afirmação foi feita pelo pesquisador e coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio, durante audiência pública realizada em 1º de junho na Câmara dos Deputados.
O evento, de autoria da deputada Carmen Zanotto, debateu a origem das variantes, incluindo a mais recente, a B.1.617.2, identificada pela primeira vez na Índia. De acordo com Rivaldo, já foram catalogadas cerca de 1.800 variantes do vírus da COVID-19 desde dezembro de 2019.
Dessas, 100 já foram identificadas no Brasil e quase 4 mil pessoas diagnosticadas com as novas cepas em 25 estados do país mais o Distrito Federal, somente este ano. As principais são: Alfa, detectada no Reino Unido; Beta, na África do Sul; Gama, no Brasil; e Delta, na Índia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou o alfabeto grego na nomenclatura para evitar o estigma mundial.
Segundo a OMS, há uma transmissibilidade acentuada da variante Delta com uma rápida disseminação por dezenas de países. Para Rivaldo, isso se deve ao afrouxamento de medidas restritivas. “Estamos diante de um grande e grave problema: as variantes tendem a se disseminar pelo país. É muito provável que, daqui a alguns meses, a variante Delta esteja em todo o território nacional e surjam outras variantes”, afirmou.
O assessor técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Fernando Campos, destacou que o distanciamento social e o uso de máscaras são as melhores formas de prevenção às novas variantes. O primeiro caso de COVID-19 no Brasil foi detectado em fevereiro de 2020 e o primeiro óbito em março do mesmo ano. Fernando atribui a rápida evolução de casos e óbitos pela doença no país a vários fatores. Entre os principais motivos: feriados, datas comemorativas em que as pessoas se reuniram com familiares, festas clandestinas, eleições municipais, festas de final de ano, carnaval e eventos que propiciaram uma grande circulação do vírus.
“As variantes ocorrem nesse terreno fértil, de disseminação rápida e generalizada, e se espalham pelo Brasil. Temos assistido a um grande aumento do número de casos, muito maior que os casos do ano passado, chegando à média diária de 4 mil óbitos por dia. É o que nos leva a ver que as orientações não estão sendo seguidas pela população: o uso de máscara, distanciamento físico, locais sem aglomeração e com ventilação. Vamos enfrentar outras variantes, por isso temos que nos empenhar na prevenção”, afirmou.
Para ele, a população fica confusa com várias visões da condução da pandemia, mas ressalta que o Conass acredita na vacina junto com as outras formas não farmacológicas de prevenção e controle, já que só a vacina não vai dar conta dessa grande possibilidade de circulação do vírus. Fernando demonstrou ainda preocupação com a entrada de novas variantes do vírus no país pelas fronteiras, já que não há um controle rigoroso.
Rivaldo alertou para outras questões que impedem o enfrentamento da pandemia, como o difícil diagnóstico dos vírus e a necessidade de um monitoramento estreito para atualizar os testes laboratoriais, além da fina sintonia entre a detecção da variante e o conjunto de demais observações, sobretudo da clínica. Para o pesquisador, o sequenciamento por si só não vai responder a todas as questões, é preciso saber também se as pessoas que foram vacinadas estão apresentando doença com nova variante, se estão se reinfectando, e se essa reinfecção é mais grave ou não.
As variantes podem ser de três tipos: de interesse, de preocupação e de alta consequência. Segundo os pesquisadores, a de interesse chama atenção das autoridades no começo e apresenta alterações menores no ponto de ligação entre o vírus e a célula humana, além da redução da neutralização por anticorpos ou da eficácia de algum tratamento, mas nada ainda relacionado à gravidade ou que possa interferir no diagnóstico da enfermidade. Já as de preocupação, como a Alfa, Beta, Gama e Delta, podem alterar as propriedades do vírus, interferir no aumento da transmissibilidade, evidenciar doença mais grave ou o agravamento das manifestações clínicas, e ainda afetar a eficácia de algum tratamento ou vacina. As variantes de alta consequência podem dificultar o diagnóstico, reduzir significativamente a efetividade das vacinas e provocar aumento na proporção de internações. “Felizmente, até o momento, não surgiu nenhuma variante de alta consequência”, destacou Venâncio.
O Ministério da Saúde não descarta a possibilidade de uma terceira onda da COVID-19, mas destaca que, desde o início da pandemia, as variantes do vírus estão sendo observadas e acompanhadas de acordo com a virulência, patogenicidade e o potencial de ser um problema maior para a saúde pública. A técnica do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde Walquíria Almeida apresentou a rede de vigilância das novas cepas e afirmou que a pasta tem ampliado, gradativamente e conforme a necessidade da pandemia, toda capacidade de resposta à vigilância, epidemiologia e laboratório do país. O Ministério ainda estabeleceu um instrumento e fluxo de comunicação dos dados do sequenciamento das amostras pelos estados e municípios, e padronizou os critérios das amostras e de óbitos. O trabalho de sequenciamento do vírus é feito em parceria com a Rede Genômica Fiocruz.
Eficácia das vacinas contra as novas cepas
A vacinação tem tido impacto positivo na diminuição de casos de Covid-19, segundo o pesquisador Rivaldo Venâncio. Ele afirmou que os resultados mostram redução do número de internações e de óbitos entre os grupos que já receberam as duas doses, como trabalhadores da saúde e população maior de 60 anos. Mas alerta que esses dados podem dar a falsa impressão do rejuvenescimento da doença. De acordo com o pesquisador, até o momento, todos os estudos feitos em vários países do mundo têm mostrado uma resposta da vacina às variantes. “Nosso desafio no momento deve ser ampliar e, na medida do possível, acelerar a distribuição da vacina para o maior conjunto de pessoas”, destacou.
Para a ampliação da vacina para outros públicos, a Fiocruz tem buscado a autonomia na fabricação do imunizante. Também em 1º de junho, a instituição assinou o termo de transferência de tecnologia para que o imunizante possa ser fabricado totalmente no Brasil, em Bio-Manguinhos, unidade da Fundação. Rivaldo definiu como um momento histórico para a ciência. Para ele, o atraso se dá pela dependência tecnológica do país. A Fiocruz tem ainda importado equipamentos para melhorar a identificação de novas variantes e vem buscando a atualização do parque tecnológico para acelerar o processo e dar conta da demanda.
Asssita à íntegra da audiência.
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Fonte: Nathállia Gameiro, da Fiocruz Brasília. Imagem: Peter Ilicciev.