imunizacao passiva covidNo dia 27/4, a Academia Brasileira de Ciências promoveu a 35ª edição do Webinários da ABC, com o tema “Soro hiperimune, plasma convalescente e imunoterapia para a COVID-19”. Para discutir diversos tratamentos de imunização passiva para a COVID-19 e suas respectivas pesquisas, a ABC convidou os webinaristas Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan; o Acadêmico Jerson Lima Silva, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); Fábio Klamt, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro afiliado da ABC entre 2009 e 2014; e Fernando Goldbaum, diretor do Centro de Redesenho e Engenharia de Proteínas (CRIP, Universidade de San Martin, Argentina). O evento foi apresentado pelo presidente da Academia, Luiz Davidovich, e moderado por Jerson Lima Silva.

Plasma convalescente na inativação do SARS-CoV-2

O pesquisador e coordenador do Laboratório de Bioquímica Celular da UFRGS Fábio Klamt apresentou um panorama geral das pesquisas que vêm sendo realizadas acerca do uso do plasma convalescente contra a COVID-19. Ele explicou que o plasma, proveniente de doadores hiperimunes com anticorpos do vírus SARS-CoV-2, pode ser eficiente na redução da carga viral, na resolução da inflamação e na melhora do quadro clínico geral dos pacientes. O cientista usou dois estudos publicados no The New England Journal of Medicine como base para suas pesquisas.

Segundo Klamt, ensaios a partir da implementação do plasma convalescente não foram bem sucedidos por terem sido administrados em estágios tardios e mais severos da doença, não obtendo vantagens. Ele esclareceu que a doença tem três fases bem distintas: o estágio inicial, chamado de infecção viral; caso a doença evolua, o segundo estágio é o da pneumonia; e o terceiro é a hiperinflamação, o quadro mais grave associado à falência de múltiplos órgãos. “Nós estávamos tentando manejar a tempestade de citocinas após a infecção viral na primeira fase. Mais recentemente, alguns estudos focaram justamente nessa fase, na qual o benefício potencialmente seria o máximo da chamada imunização passiva”, afirmou.

A administração precoce do plasma em casos leves, em até 72 horas após o início dos sintomas, é uma das premissas apresentadas por Klamt para atingir maior eficácia. A segunda premissa se refere ao poder neutralizante desse plasma. Para ser efetivo, ele tem que ser classificado como hiperimune, ou seja, possuir uma alta dose de anticorpos. De acordo com estudos realizados pelo grupo de Klamt, apenas 4% dos plasmas coletados dos doadores foram considerados hiperimunes. “Se respeitadas essas duas variáveis, o benefício é bem significativo. Eles sugeriram uma diminuição de até 50% na mortalidade, de 321 pacientes que receberam as bolsas de plasma, em relação a 582 pacientes que receberam tratamento suporte”, completou o pesquisador.
Baseado nesses estudos, Klamt e um grupo de pesquisadores da região Sul do país se organizaram em um consórcio para propor um novo ensaio envolvendo a transfusão do plasma proveniente de doadores imunizados, ou seja, de indivíduos vacinados. Chamado de Immuneshare Trial, o grupo recebeu recentemente a notícia do financiamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para a implementação do estudo. “Buscaremos avaliar se o plasma de imunizados com altos títulos de anticorpos anti-SARS-CoV-2, administrado até 72 horas após o início de sintomas leves, será eficaz em impedir a progressão para a doença grave em pacientes adultos diagnosticados com COVID-19”, explicou Klamt.

Soro anti-SARS-CoV-2 na redução dos danos pulmonares

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, que é professor titular da Universidade de São Paulo (USP), diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto e integrante do Centro de Contingência para a COVID-19 do Governo do Estado de São Paulo, apresentou pesquisas realizadas pelo instituto a partir da utilização de um soro anti-SARS-CoV-2 baseado no vírus inativado.

Segundo Covas, o Butantan trabalha com soros de origem animal há 120 anos, e começou a desenvolver seu 13º soro em março de 2020, justamente contra a COVID, por meio do isolamento da cepa do vírus, em parceria com o Instituto de Ciências Biológicas da USP. “Passou pelas etapas de cultivo, inativação, purificação e imunização dos animais, até chegar ao produto final. Geramos o produto que, no momento, tem mais de 4 mil frascos disponíveis”, relatou o hematologista.

Após a etapa de purificação e inativação do vírus por radiação, submeteu-se toda a documentação à Anvisa. Uma das orientações foi a necessidade da realização de estudos pré-clínicos e estudos de desafios, o que gerou certa demora na finalização do dossiê. Realizou-se, então, um ensaio de imunogenicidade do vírus inativado testado em hamsters. “Com base nisso, submetemos o protocolo de desenvolvimento clínico e foi aprovado o início dos estudos clínicos de fase I e II. Neste momento estamos na fase de início, com dois centros escolhidos aqui em São Paulo, e esperamos já na próxima semana estar aplicando nos doentes”, afirmou Covas.

De acordo com Covas, as pesquisas realizadas até o momento demonstraram a redução de danos pulmonares, da carga viral e da infiltração inflamatória. Nos estudos pré-clínicos com hamsters, constatou-se a redução do edema e da hemorragia pleural e intersticial, além da preservação do epitélio brônquico e alveolar. Já com soro equino, foi observado um efeito protetor na evolução da COVID. “A análise histopatológica mostrou que o tecido pulmonar dos animais tratados com o soro apresentou uma redução na intensidade das lesões histopatológicas em relação ao grupo infectado e não tratado”, esclareceu o diretor do Butantan.

Sobre o plasma hiperimune citado pelo professor Klamt, Covas afirmou que o Instituto Butantan também coordena um programa de utilização do tratamento em parceria com a HemoRede São Paulo e a Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH). O pesquisador também citou as duas vacinas do Instituto Butantan, a primeira a partir do vírus inativado e atualmente em uso, a Coronavac; e a segunda, ainda em etapa de desenvolvimento, na qual o vírus cresce em ovos embrionados, a Butanvac.

Soro hiperimune da Inmunova em casos severos e graves

O bioquímico argentino Fernando Goldbaum, diretor do Centro de Redesenho e Engenharia de Proteínas (CRIP, Universidade de San Martin) e cofundador e diretor científico da Inmunova, apresentou o soro desenvolvido pela empresa argentina contra a SARS-CoV-2. A imunoterapia passiva baseada em anticorpos policlonais foi realizada com base em cinco anos de pesquisas com soro hiperimune, na época já em fase III. “Nós fizemos um processo de hiperimunização e obtivemos nosso primeiro produto em um concentrado de fragmentos de imunoglobulinas, que tem a capacidade de neutralizar este vírus. Isso não só evitaria reações adversas e anafilaxia, mas também era um fator muito importante para melhorar a eficácia da imunoterapia”, explicou o pesquisador.

Obtido entre junho e julho de 2020, o medicamento foi aprovado pela agência reguladora da Argentina e já foram produzidas mais de 40 mil doses para serem usadas em seres humanos, com uma produção mensal de 12 a 15 mil. De acordo com Goldbaum, o estudo clínico foi realizado em 20 hospitais e clínicas do perímetro urbano de Buenos Aires, entre 1º de agosto de 30 de novembro de 2020. Os resultados foram publicados na Eclinical Medicine, a partir do ensaio clínico com 245 pacientes, dos quais 124 receberam placebo e 119 receberam o medicamento. “O que nós vimos é uma melhora pronunciada nos 14 dias, contra 16 dias do grupo placebo. Os pacientes recebem alta cerca de 2 dias mais cedo do que a população em geral, observando uma grande diferença na evolução clínica entre esses dois grupos de pacientes”, afirmou.

Os resultados foram apresentados em dezembro de 2020 para a Anmat – unidade reguladora argentina -, e logo foram aprovados para uso do medicamento, chamado CoviFab, em condições especiais, ou seja, em pacientes com COVID-19 em estado moderado e severo. “Observou-se uma melhoria clínica claramente significativa; uma tendência de diminuição da mortalidade de 40% na população total e de 45% na população severa; uma tendência de diminuição de internação na UTI de 33%; e de necessidade de ventilação mecânica de 36%, além de um adequado perfil de segurança”, demonstrou o cofundador da Inmunova.

Atualmente, o medicamento já foi administrado em mais de 2 mil pacientes, sobretudo em estado severo e grave, cerca de 85%, diferentemente do estudo clínico, com apenas 39%, contra 61% pacientes moderados. “Tudo deve ser registrado em uma plataforma específica com a assinatura de consentimento do paciente, e devemos seguir coletando dados de segurança e eficácia deste medicamento ao longo de um ano, para poder conseguir o registro definitivo”, elucidou Goldbaum.

O poder de neutralização do plasma convalescente e do soro contra a COVID-19

O Acadêmico Jerson Lima Silva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e da Academia Nacional de Medicina (ANM), exibiu um breve panorama sobre a diferença entre a imunização ativa, como as vacinas, e a imunização passiva, como o plasma convalescente e soros hiperimunes, tema central da 35ª edição dos Webinários da ABC. Lima apresentou seu projeto, uma parceria entre o Instituto Vital Brazil (IVB), a UFRJ, a Fiocruz, o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e a Faperj. O grupo está desenvolvendo um produto à base de globulina hiperimune anti-SARS-CoV-2, a partir da imunização de equinos com a proteína da espícula do vírus.

O tratamento, que se encontra na fase de início dos estudos clínicos, quando comparado com o plasma convalescente, possui um poder de neutralização muito mais alto. Ele acredita que, em pacientes internados no início da infecção, a tendência é que ocorram bons resultados, similares aos encontrados com o uso do plasma. Além disso, espera-se uma maior eficácia com a infusão da imunoglobulina anti-SARS-CoV-2, devido ao fornecimento de mais anticorpos neutralizantes, cerca de 140 vezes maior do que o título médio no plasma.

Silva abordou uma das questões fundamentais que têm sido colocadas para os pesquisadores: o poder dos imunizantes contras as novas variantes do SARS-CoV-2, sobretudo a variante P1. Segundo o Acadêmico, o soro foi testado e foi constatada uma neutralização em que, para a variante P1, requer maiores quantidades do soro (menor diluição). Sobre o objetivo do ensaio clínico de fase I e II, ele disse ser “avaliar a segurança e potencial eficácia da utilização deste produto no tratamento de pacientes com COVID-19 internados em fase inicial da doença, que não estejam em suporte ventilatório invasivo”.

O Acadêmico finalizou sua fala fazendo um convite à união de instituições de pesquisa brasileiras e latino americanas para se obter um soro anti-COVID eficaz, que gerará grandes vantagens para a imunização passiva da população, por ser uma método com custos relativamente baixos e com grande capacidade de utilização em alta escala. O webinário foi finalizado com um debate entre os participantes e com perguntas feitas por Acadêmicos, via Zoom, e pelo público em geral, via YouTube.

 

Assista aqui à 35ª edição do Webinários da ABC na íntegra.

 

Acesse o especial sobre coronavírus do site de Bio-Manguinhos

 

Fonte: Academia Brasileira de Ciências (ABC). Imagem: Kjpargeter, Freepik.

 

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