Na última semana, dentro do chamado Abril Indígena, a Fiocruz, com o apoio da Embaixada do Reino Unido no Brasil, lançou um guia com ações para incentivar gestores públicos a implantar políticas de enfrentamento à COVID-19 e assim mitigar os efeitos nocivos da pandemia sobre populações marginalizadas, como os povos indígenas e os moradores de favelas, e diminuir as desigualdades de gênero.

Até o dia 16/4, segundo dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, a COVID-19 causou o óbito de 1.038 indígenas, registrou mais de 52 mil casos e afetou 163 povos. O material tem base em evidências científicas e reúne análises detalhadas dos dados da pandemia. O guia, que pode ser acessado aqui, representa o eixo Impactos Sociais do Observatório COVID-19 Fiocruz. O Abril Indígena é considerado a maior mobilização indígena do país e promove uma ampla programação e atividades nas quatro semanas do mês.

Os pesquisadores do Observatório destacam que a pandemia tem mostrado de forma clara as grandes desigualdades que atingem a população brasileira em todos os níveis. Para os grupos mais vulneráveis, a falta de acesso a direitos básicos e oportunidades foi agravada com a pandemia, aumentando a urgência por políticas públicas que ajudem a diminuir as diferenças.

“Esta é mais uma colaboração com a embaixada britânica, que já vem nos apoiando em diversas frentes de atuação ao longo dos anos e, em especial, neste momento tão difícil para o país. Estamos enfrentando uma crise humanitária de grandes proporções, que atinge as populações de maneira diferente e aumenta ainda mais as desigualdades sociais. Entender esses impactos e oferecer formas de enfrentamento às populações vulnerabilizadas e aos gestores será fundamental para buscarmos uma saída humanitária da pandemia”, comenta a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.

A seção voltada para povos indígenas é resultado de um trabalho desenvolvido pelas pesquisadoras Ana Lúcia Pontes e Daniela Alarcon, ambas da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). “Fizemos uma consolidação das diversas contribuições que o conjunto de pesquisadores da Fiocruz e do Grupo de Trabalho em Saúde Indígena da Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva] elaboraram ao longo de 2020. O objetivo foi o de dar visibilidade à extrema vulnerabilidade dos povos indígenas na pandemia e sistematizar recomendações e estratégias que podem minimizar os impactos”, explica Ana Lúcia.

A pesquisadora afirma que o grupo considerou importante incluir conteúdos sobre a campanha de vacinação, diante das muitas dúvidas quanto à inclusão dos indígenas no grupo prioritário e também das próprias comunidades sobre a vacina. “As recomendações são bastante amplas e incluem a segurança alimentar e nutricional, o acesso à informação em linguagem adequada e acessível, a proteção territorial, em especial dos povos isolados e de recente contato, até medidas que possam estruturar a resposta da vigilância e da atenção em saúde contra a COVID-19”, observa.

“O trabalho visa atingir um público mais amplo, que inclua gestores, lideranças e intelectuais indígenas que estão no protagonismo do debate do enfrentamento da COVID-19. Tendo em vista as suas vulnerabilidades, indicamos a necessidade da priorização e construção de estratégicas específicas e diferenciadas para os povos indígenas no enfrentamento da pandemia”, sublinha Ana Lúcia.

O guia apresenta 13 medidas urgentes e ações específicas para conter a Covid-19 e relaciona nove fatores que vulnerabilizam os povos indígenas, entre eles a elevada prevalência de outras doenças, as limitações para implementar medidas de prevenção, as dificuldades de transporte e acesso à saúde, a insegurança alimentar, a falta de saneamento básico e a invisibilidade das populações indígenas urbanas. A iniciativa também aponta soluções inclusivas e sustentáveis que ajudariam não apenas no enfrentamento da pandemia, mas também na redução de desigualdades a longo prazo.

Iniciativas em gênero

Segundo o coordenador do eixo Impactos Sociais do Observatório Covid-19 Fiocruz, Gustavo Matta, “o guia é resultado das pesquisas e atividades do eixo Impactos Sociais do Observatório COVID-19 da Fiocruz. Foi construído por meio de uma ação dialógica e participativa entre pesquisadores e movimentos sociais. Entre eles podemos destacar a força, resistência e criatividade dos movimentos de favelas, que têm sido invisibilizados frente às suas necessidades e vulnerabilidades e excluídos dos debates para formulação de políticas e ações de enfrentamento da Covid-19 nesses territórios”.

Matta ressalta que o guia “apresenta as repercussões da pandemia de COVID-19 sobre a iniquidade de gênero. Especialmente o impacto sobre as mulheres nas dimensões do trabalho, da violência e da pobreza. A interseccionalidade é a marca desse material, que visa dialogar com diferentes grupos, linguagens e visões de mundo”.

Segundo dados divulgados pela Fiocruz, mais de 84% das equipes de enfermagem no Brasil são formadas por mulheres e, entre os profissionais de saúde que morreram em 2020 por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), elas foram mais de 55%. Além disso, cerca de 62% das mulheres afirmam atuar diretamente em alguma ação de combate à COVID-19 e seus impactos.

Na linha de frente dos trabalhos essenciais durante a pandemia, as diferenças raciais e de gênero dificultam ainda mais a luta diária. No planejamento de respostas à pandemia e de recuperação pós-pandemia, bem como na construção de informações seguras e confiáveis para tomada de decisão, o guia lembra que é imprescindível considerar as necessidades de mulheres e homens, cis e trans, e minorias de gênero.

Por meio de uma perspectiva crítica e interseccional sobre gênero e raça, este eixo inclui 15 recomendações prioritárias para planos de resposta à pandemia e sugestões estratégicas para implementá-las. Elas incluem escuta ativa aos grupos em vulnerabilidade, diálogo aberto com a sociedade e a busca por decisões baseadas em dados científicos para garantir acesso a direitos humanos, saúde, educação e cultura e ferramentas para inclusão. Além disso, o guia também traz recomendações para combater o preconceito, diminuir a diferença salarial entre homens e mulheres, especialmente para as mulheres negras, e a valorização do trabalho desenvolvido por elas, buscando aumentar o número de mulheres em posições de liderança.

Apoio às favelas

Os dados revelam que, para os 17,5 milhões correspondentes a 6% da população brasileira que habitam favelas, os riscos da pandemia são ainda maiores. O desafio vai além de pensar respostas para os impactos da Covid-19, já que as favelas são espaços construídos pelas desigualdades e que abrangem uma série de interseccionalidades.

Nesses espaços, populações inteiras vivem em habitações precárias, com oferta insuficiente de abastecimento de água e saneamento básico e outros problemas que afetam as condições relacionadas à saúde. Agravando ainda mais o cenário, a maior parte dos moradores das favelas não pode trabalhar de casa e muitos perderam as fontes de renda durante a pandemia. Tudo isso impede que essas pessoas se beneficiem das medidas de distanciamento social em proteção contra a doença, aumentando o risco de contágio e contribuindo para o aumento da taxa de letalidade, que chega a quase 20%.

A situação de crise sanitária e humanitária exige resposta urgente. O guia reúne e analisa dados de boletins epidemiológicos da Fiocruz sobre favelas que explicam os desafios do enfrentamento à pandemia nessas condições e traz nove recomendações para combater os impactos do vírus. As recomendações incluem testagem em massa e aprimoramento dos dados georreferenciados produzidos sobre as favelas, além da garantia a serviços de saneamento básico e limpeza urbana e proteção social. Além disso, o guia reconhece a importância de apoiar os moradores no protagonismo de iniciativas que surgem nas favelas para as favelas.

 

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Fonte: Ricardo Valverde, da Agência Fiocruz de Notícias. Imagem: Rawpixel, Freepik.

 

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