Para descrever como a pandemia da COVID-19 é percebida por Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) que trabalham em comunidades carentes ou favelas no Brasil, pesquisadores do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), da Escola Nacional de Saúde Publica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) realizaram estudo que revela os impactos de uma agenda negacionista na atuação desses profissionais. Publicado (7/1) no periódico internacional Work, o estudo indica que o negacionismo vem dificultando o consenso sobre a necessidade de distanciamento social, fechamento de negócios e outras medidas para enfrentar a pandemia da Covid-19.
Assinado pelos pesquisadores Nilson do Rosário, Cristiane Vieira e Paulo Roberto Fagundes, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp); Alessandro Jatobá e Hugo Bellas, do CEE/Fiocruz; Deborah Uhrda, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; e Paulo Victor Rodrigues, do IEN, o texto destaca a importância dos agentes comunitários no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), especialmente, durante eventos que colocam pressão sobre o sistema de saúde, como surtos, de dengue, febre amarela, chikungunya, zika, H1N1 e, agora, a COVID-19. Além disso, o artigo destaca que esses profissionais de saúde são fundamentais para educar as comunidades mais pobres sobre medidas para mitigar o risco de se tornarem focos de disseminação massiva de doenças.
Os pesquisadores chamam a atenção para a trajetória descontrolada do novo coronavírus no Brasil que, segundo eles, tem gerado grande preocupação devido à falta de consenso sobre como administrar a pandemia em um cenário de negacionismo da gravidade da doença por parte do governo central. De acordo com o estudo, esse negacionismo dificulta a percepção pública do risco da pandemia. Portanto, “fragiliza as iniciativas dos governos estaduais e municipais e das populações em relação ao distanciamento social. E, ao identificar o distanciamento social como a principal causa dos problemas econômicos do Brasil, o negacionismo minimiza o impacto da pandemia nas condições de saúde das pessoas em longo prazo, uma vez que o risco é determinado não apenas pela tomada de decisão individual, mas também pela percepção coletiva de perigo e dinâmica social”.
Ainda assim, o texto alerta que, mesmo diante de um cenário negacionista, pouco se sabe sobre como a conduta errática do governo brasileiro tem impactado a viabilização da atuação dos agentes públicos e a adesão da população às medidas de distanciamento social. Os pesquisadores destacam, ainda, que, apesar de os especialistas brasileiros em saúde pública endossarem e recomendarem medidas de distanciamento social, esse consenso pode não existir entre os agentes comunitários, provavelmente, devido a fontes conflitantes de informações, algumas das quais negam a importância de medidas dessas medidas.
Para realização da pesquisa foi utilizado um questionário on-line, de autopreenchimento, aplicado a 775 ACSs que declararam trabalhar em favelas ou comunidades pobres de 368 municípios e 26 Estados do Brasil. O estudo conclui que as atividades dos ACS em favelas durante a pandemia do Covid-19 apresentam as mesmas complexidades verificadas antes da pandemia, embora em nível superior. E que, as transformações na organização e no ambiente de trabalho durante a pandemia afetam a percepção de insegurança dos trabalhadores, isso porque a maioria dos respondentes informaram não ter recebido formação específica sobre isolamento social e higiene individual e esta falta de capacitação é associada à percepção de insegurança e ao medo dos ACS no desenvolvimento das suas rotinas.
Por outro lado, conclui também o estudo, que a disseminação em massa de informações sobre o risco extremo da COVID-19 nas redes sociais e meios de comunicação tradicionais pode favorecer a receptividade ao trabalho dos ACSs e aumentar a adesão ao distanciamento social nas favelas. Ainda que, conforme destacam os autores, promover o distanciamento social não faça parte da agenda do Executivo Federal, mesmo o Sars-CoV-2 tendo afetado fortemente as comunidades de baixa renda brasileiras.
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Fonte: Agência Fiocruz de Notícias. Imagem: Viewapart, Freepik.