entrevista reinaldo martinsA revista Cadernos de Saúde Pública, em seu volume 36 - suplemento 2, publicou entrevista inédita realizada pelos pesquisadores Luiz Antonio Bastos Camacho e Marilia Sá Carvalho com Reinaldo de Menezes Martins, falecido em janeiro de 2019. A íntegra da entrevista está disponível, e o resumo informa que:

"Reinaldo de Menezes Martins era médico e doutor em Medicina Tropical. Na sua carreira de pediatra reconhecido em premiações e homenagens, influenciou a prática médica de gerações de profissionais como preceptor da residência médica e liderança respeitada entre pediatras. Nas últimas duas décadas da sua carreira ampliou a dedicação ao estudo de vacinas em saúde pública, com significativa produção acadêmica, com orientação pragmática, valorizada em consultorias para a Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Ministério da Saúde e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Esta entrevista procurou focar os componentes relacionados a vacinas na biografia de um workaholic, que, de tão produtivo, exigiu esforço de síntese por parte do entrevistado e dos entrevistadores. Dr. Reinaldo faleceu em janeiro de 2019, deixando um legado de contribuições de inestimável valor para a saúde pública, baseadas em evidência científica."

Na entrevista, Reinaldo aborda, por exemplo, as discussões prévias ao estabelecimentos dos dias nacionais de vacinação:

"Eu defendi os dias nacionais de imunização com a realidade: nós estávamos com a cobertura muito baixa. Não havia um panorama de que isso fosse resolvido com a rotina. Iria demorar um tempo enorme até a rede ser estruturada. Além disso, havia razões técnicas para isso. Mesmo que os postos de saúde funcionassem bem, o dia nacional de vacinação era bem indicado para controlar a pólio. E um dia me chamaram na ENSP, e a principal opositora, excelente epidemiologista que fazia tudo na melhor das intenções, fez uma oposição muito grande, e capitaneou todo o grupo lá da Fiocruz. Havia também gente contra por outros motivos. Coisas do tipo: “Reinaldo, você está mandando vacinar todo mundo contra poliomielite e se der algum problema você vai ser processado”. E também gente que dizia “poliomielite é uma bobagem perto de desnutrição”. “Vocês estão gastando muito dinheiro com prevenção de poliomielite quando tem problemas mais graves, inclusive a desnutrição, e outras doenças que são mais graves do que a poliomielite”. Eu argumentava: primeiro que a prevenção da poliomielite é mais fácil, com gotinha; segundo, a realidade: se quisermos resolver esse problema de coberturas através da estruturação dos postos, vamos levar dez a vinte anos ou mais. Nós não podemos deixar esse pessoal pegar poliomielite assim com uma maneira tão fácil de evitar. Mas predominou o grupo que era a favor do dia de imunização. Devo dizer que na época o presidente era o João Baptista Figueiredo, uma pessoa também bastante hostilizada no meio médico... de um modo geral. E eu dizia “eu estou colaborando com o Ministério da Saúde, com o programa de vacinações. Não tem nada que ver com o governo, com o aspecto político”. No Ministério eu falei “a colaboração da sociedade de pediatria está assegurada desde que não utilizem as campanhas com fins políticos”. Isso foi uma marca registrada que vem desde o início, que raramente foi contrariado. Eu já tinha experiência de interferência política que só serve para atrapalhar e desmoralizar. Então com isso o programa se impôs, os dias nacionais de imunização se impuseram pelo sucesso extraordinário. A incidência da poliomielite caiu verticalmente".

Em outro ponto, cita a organização da rede de frio no Brasil:

"A rede de frio foi melhorada porque [antes] a geladeira era usada para tudo, inclusive vacina. Eu lembro de uma epidemia de sarampo na Baixada Fluminense em crianças vacinadas, às vezes até com duas doses. Foi feita uma vistoria. Na geladeira tinha de tudo: sanduíches, refrigerantes... O transporte também não era adequado, mas a rede de frio foi melhorando. Foi criada a central de rede de frio ali no [bairro do] Caju, que contribuiu para uma logística adequada."

Reinaldo aborda ainda a importância da qualidade das vacinas e da produção nacional:

"Nós fomos obrigados a importar vacina. Daí surgiram duas iniciativas muito importantes: a criação do INCQS [Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde/Fiocruz] para controle de qualidade de vacinas, e o fortalecimento dos produtores nacionais, especificamente o Instituto Butantan e Bio-Manguinhos. Junto com o INCQS, contribuíram para melhorar a disponibilidade e a qualidade das vacinas".

Outro ponto de destaque na entrevista é quando Reinaldo aborda a desinformação sobre as vacinas:

"Eu não sou especialista em psicologia de multidões, mas acho que todo movimento gera um contra-movimento, mesmo que seja um movimento melhor do mundo. Se não gerar um contra movimento é porque a ideia não tem importância ou ninguém tá ligando. Mas quando a ideia é bem formulada, a toda ação corresponde uma reação. A vacina de varíola, desde o início das vacinações na Inglaterra, sofreu uma oposição enorme de grupos antivacina. Era muito mais forte do que é agora, apesar das fake news, inclusive porque tinha algum fundamento. Esse é o pior tipo de problema, quando eles têm fundamento. Quando não têm fundamento, as fake news se esgotam por si mesmo. A vacina de varíola naquela época [fim do século XVIII] era produzida artesanalmente e tinha contaminações. Às vezes fazia vacinação pessoa a pessoa e podia inocular, por exemplo, outras doenças. As pessoas que se opunham tinham algum fundamento em ter medo da vacina. Não tinha como negar que houvesse efeito colateral. Se bem que nessa época se escondiam os eventos adversos. Ninguém falava sobre isso. Quando a vacina chegou no Brasil também tinha um grupo pró e um grupo contra. Eu penso que a internet faz muito ruído, mas o efeito de forma geral, com algumas exceções, não é muito grande porque são ideias e notícias tão inverossímeis, tão absurdas e sem fundamento, que se esgotam".

 

Confira a íntegra da entrevista

 

Jornalista: Paulo Schueler. Imagem: Acervo de Bio-Manguinhos/Fiocruz

 

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