Muitos pacientes infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) apresentam uma resposta inflamatória exacerbada, provocada pela atividade exagerada do sistema imunológico na tentativa de proteger o organismo do patógeno. Esta atividade está relacionada a lesões severas nos pulmões e é um dos principais fatores associados a formas graves da COVID-19. Para driblar esse mecanismo, pesquisadores em todo o mundo buscam formas eficientes de inibir a replicação do vírus e impedir, ou reduzir, o processo inflamatório.
Com foco nestas questões, um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) mostrou que dois neuropeptídeos, conhecidos como VIP e Pacap, moléculas responsáveis por regular diversas funções fisiológicas, foram capazes de inibir a replicação do Sars-CoV-2 em células do sistema imunológico (monócitos) e do tecido pulmonar, além de atenuar o processo inflamatório. A pesquisa revelou, ainda, índices elevados das moléculas em amostras do plasma de pacientes infectados que evoluíram para casos graves e se recuperaram.
Os resultados foram disponibilizados em preprint no repositório bioRxiv, que permite a divulgação acelerada de evidências relacionadas ao tema. Participaram do estudo pesquisadores do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e do Laboratório de Imunofarmacologia, ambos do IOC, além de especialistas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer.
Os cientistas verificaram que os neuropeptídeos apresentaram atividade em três frentes: na proteção das células a alterações provocadas pelo vírus, na redução da produção de mediadores pró-inflamatórios e no bloqueio da ativação de um mecanismo envolvido na produção desses mediadores. "Neste estudo experimental, vimos que os neuropeptídeos VIP e Pacap apresentam a capacidade de inibir a replicação do Sars-CoV-2 e de controlar a resposta inflamatória induzida pela infecção. Em estudos anteriores, já havíamos identificado que essas mesmas moléculas inibem também a replicação do HIV-1 em células primárias humanas", explicou o pesquisador Dumith Chequer Bou-Habib, do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, um dos coordenadores da pesquisa.
Moléculas inibiram a replicação viral
Na primeira fase do estudo, os especialistas conduziram experimentos in vitro utilizando monócitos humanos. As células foram tratadas com as duas moléculas, VIP e Pacap, e infectadas em seguida com o novo coronavírus. Após 24 horas, os pesquisadores avaliaram a replicação viral.
Os experimentos mostraram que a molécula VIP alcançou até 45% de inibição da replicação viral, enquanto a Pacap chegou a 40%. Os pesquisadores constataram, ainda, que os compostos preveniram a morte das células ao protegê-las contra alterações estruturais causadas pelo vírus, mecanismo conhecido como efeito citopático.
"A diminuição da produção viral, além de reduzir a carga viral à qual as células estão expostas, reduz o estímulo para a produção excessiva de fatores inflamatórios, com efeito na morte celular tanto das células infectadas quanto das células não-infectadas presentes na cultura. O mesmo pensamento pode ser considerado no caso da infecção em um indivíduo. Consideramos ter encontrado resultados bastante satisfatórios", avaliou Jairo Ramos Temerozo, pós-doutorando do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC, que também coordenou o estudo. Em uma segunda etapa, os pesquisadores investigaram se as moléculas seriam capazes de restringir a reprodução viral nas células pulmonares, que são um dos principais alvos do Sars-CoV-2.
Para o experimento, foi utilizada uma linhagem de células do tecido pulmonar altamente suscetível ao vírus, chamada Calu-3. As células foram infectadas e, em seguida, tratadas com as moléculas. Os resultados mostraram que a produção viral foi reduzida em até 41% pela molécula VIP e em até 42% pela Pacap.
Controle da inflamação
Os pesquisadores avaliaram, ainda, se os neuropeptídeos poderiam atenuar a produção de mediadores pró-inflamatórios pelas células epiteliais pulmonares e pelos monócitos infectados – ou seja, se haveria ação atenuante sobre o processo de inflamação. O tratamento levou a uma redução de 50 a 60% na síntese dos mediadores da inflamação, tanto pelas células do sistema imune como pelas células pulmonares. Os resultados sugerem que as moléculas podem oferecer proteção significativa aos pulmões inflamados como decorrência da replicação do vírus. Os pesquisadores verificaram, ainda, que as moléculas foram responsáveis por impedir a ativação de um mecanismo envolvido na produção desses mediadores, contribuindo para o controle da inflamação.
"O Sars-CoV-2 infecta e destrói as células pulmonares, desencadeando uma inflamação severa, que resulta no comprometimento da integridade e da função pulmonar, além de afetar outros tecidos e órgãos. Por isso, é esperado que agentes capazes de promover a redução da replicação viral e da inflamação tenham impacto positivo para a melhoria do quadro clínico de pacientes acometidos pela Covid-19", explicou Jairo.
A presença das moléculas no plasma de pacientes
Com base nesses resultados, os pesquisadores mediram os níveis de ambos os neuropeptídeos em amostras de plasma de indivíduos infectados com Sars-CoV-2. Eles descobriram uma quantidade significativamente elevada da molécula VIP em pacientes afetados pelas formas mais graves de infecção. As amostras foram comparadas com as de pessoas saudáveis não infectadas (controles) e de pacientes com sintomas leves ou assintomáticos. Os resultados mostraram ainda níveis aumentados de Pacap em pacientes graves.
"Analisando mais profundamente os dados obtidos com as amostras clínicas, identificamos que o aumento de VIP no plasma dos indivíduos com a forma grave estava concentrado nos indivíduos que se recuperaram e sobreviveram. Junto com os dados obtidos nos estudos in vitro, essa informação reforça o potencial terapêutico desse neuropeptídeo", concluiu o pós-doutorando.
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Fonte: Lucas Rocha (IOC/Fiocruz). Imagem: Josué Damacena.