Mais uma vez, Bio-Manguinhos esteve presente no Fórum Latino-Americano de Biossimilares (FLAB 2020). O evento online, ocorrido dia 17 de julho, debateu os medicamentos biológicos e biossimilares, farmacoeconomia e sistemas de saúde, mostrando a realidade latino-americana. O fórum contou com a participação da vice-diretora de Qualidade de Bio-Manguinhos, Rosane Cuber, na mesa redonda “Incorporação de biossimilares na América Latina e Brasil”, ministrando a palestra “O processo de transferência de tecnologia e a produção de biofármacos e biossimilares na Fiocruz”. Tatiana Sanjuan, da Assessoria Clínica do Instituto, foi moderadora da mesa redonda “Políticas sobre biológicos e biossimilares no Brasil e na América Latina”.

O diretor do Centro Biomédico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Denizar Vianna, esteve na mesa de Rosane Cuber, apresentando as “Políticas de manutenção e ampliação de acesso dos medicamentos no Sistema Único de Saúde”. Como já foi secretário da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS), falou da sua experiência e comentou que são investidos mais de R$ 15 bilhões por ano em biofármacos que estão na lista da Rename, que conta com 300 insumos de alto custo comprados de forma centralizada.

“É um grande desafio dar à população acesso aos biológicos e biossimilares no tratamento de doenças crônicas, raras e genéticas. E, para não depender de insumos estrangeiros, o MS vem fomentando a produção de ciência e tecnologia nacional através das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). E a aquisição dos biossimilares foi iniciada ano passado, na maior parte das vezes, na reumatologia e gastroenterologia. No entanto, na área de oncológicos, o número de medicamentos vem crescendo”.

A discussão sobre os medicamentos de referência e os biossimilares deve envolver os médicos prescritores, os pacientes e o Sistema Único de Saúde (SUS), segundo Vianna. “Meu entendimento é ter uma política de acesso aos biossimilares e regularizar a intercambialidade. Os biossimilares trazem uma maior competição no mercado. Eles já estão sendo ofertados para os pacientes que estão começando o tratamento, mas há uma preocupação com a farmacovigilância. O biossimilar, tendo aprovação da ANVISA e se adequando a todos os requisitos, está pronto para entrar no mercado, mas é preciso formular uma política para o acesso aos biossimilares para que ninguém tenha prejuízo, em conjunto com associações de pacientes e sociedades médicas”, frisou.

Ele continuou afirmando que o Brasil tem um parque tecnológico capaz de produzir os biossimilares, garantindo a segurança e eficácia do produto. “Tivemos uma experiência exitosa com a entrada do biossimilar do etanercepte no ano passado e foi um bom aprendizado, pois contamos com um apoio enorme de Bio-Manguinhos/Fiocruz. Estão para entrar mais três esse ano e esse processo só será exitoso se todos participarem da construção dessa política”, concluiu.

Rosane Cuber apresentou todas as etapas do processo de pesquisa e desenvolvimento de biofármacos, que são processos lentos. A etapa da descoberta demora de 2 a 5 anos e conta na maioria das vezes com parceria com universidades. A parte de desenvolvimento, bioprocesso e estudos não-clínicos em animais dura de 1 a 2 anos. Já o desenvolvimento clínico em humanos, com exigências regulatórias mais estabelecidas, leva de 6 a 8 anos.

“Portanto, a transferência de tecnologia com um produto que já é maduro no mercado encurta o processo. As etapas da transferência de tecnologia são de trás para frente, desde a importação do produto acabado, aprendendo e fazendo a rotulagem, embalagem e processamento final, até a terceira alteração do pós-registro, com a aquisição completa da tecnologia, produção local e a farmacovigilância. Isso requer a aquisição de equipamentos e treinamento de pessoal, se equiparando à produção do país de origem do produto, garantindo a reprodutibilidade de todas as etapas, que contam com uma série de inspeções dos parceiros e da ANVISA”, detalhou.

Ela explicou como se dão as PDPs entre instituições públicas e entidades privadas, que induzem a capacitação produtiva e tecnológica do Brasil, de forma estratégica, nos tornando independentes de outros países. “Entre as vantagens estão garantir o suprimento desses medicamentos, redução de custos, aumento do acesso a produtos com segurança e eficácia, aumento do número de produtos ofertados, aumento da capacidade produtiva e tecnológica nacionais, entre outros”, exemplificou. “Tivemos problemas na pandemia com a aquisição de produtos e isso diminui quando investimos na produção nacional. Essas parcerias nos tornam capazes de responder a demandas emergenciais de saúde pública como estamos fazendo agora com a parceria para a produção da vacina de COVID-19”, complementou.

Ela citou o registro sanitário, da RDC n 55/2010, e os produtos biológicos e biossimilares estão dentro dessa regulamentação, sendo majoritariamente registrados pela via através do desenvolvimento individual e da comparabilidade entre o produto originador e o biossimilar, com parâmetros de qualidade, segurança e eficácia. Falando mais sobre o portfólio de Bio, ela comentou que já entrou no mercado o etanercepte e que vão entrar trastuzumabe, rituximabe e somatropina, todos biossimilares. “Temos responsabilidade com toda a regulação, a mesma preocupação e responsabilidade que com os produtos inovadores como o infliximabe e a betainterferona, e contam com os mesmos profissionais e equipamentos certificados”, concluiu a vice-diretora.

Vianna comentou após a apresentação de Cuber que a comunicação deve ser transparente e manter a educação com prescritores e pacientes é fundamental. “O etanercepte foi o melhor produto para começar, mas agora temos o desafio de implementar os outros. Para isso, é preciso fortalecer e investir no Complexo Industrial da Saúde”. Cuber complementou reforçando que a farmacovigilância tem sido precisa ser muito ativa para saber como os pacientes estão usando e recebendo esses medicamentos, garantindo a segurança e que embora os estudos clínicos nacionais sejam custosos e difíceis, são necessários para alguns produtos.

Fábio Vieira, gastroenterologista e coordenador do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB), comentou que quando a ANVISA aprova um biossimilar, isso dá tranquilidade ao médico para prescrever aquela medicação com segurança e eficácia comprovadas. No entanto, ainda há muitas dúvidas com relação aos biossimilares entre os médicos e os pacientes e a discussão sobre o tema deve ser contínua para capacitar este público. Para ele, não deve ter mais do que uma molécula biossimilar para cada originador na transferência de tecnologia. “Nos casos de single switch é menos complicado, mas, ao longo prazo, não temos capacidade de fazer múltiplo switch com uma farmacovigilância capaz de rastrear os eventos adversos. Os médicos têm muitas incertezas acerca disso”, destacou.

Priscila Torres, jornalista e criadora do blog Artrite Reumatoide, parabenizou Bio-Manguinhos, “que valoriza uma política de medicamentos de biológicos e biossimilares”. Ela comentou que houve um grupo de trabalho com as discussões sobre essa política adequada à estratégia de controle social considerando a jornada dos pacientes e as comprovações científicas.

Cuber comentou que é preciso reforçar a comunicação com as farmácias de alto custo pois elas estão na ponta dispensando os medicamentos. Vianna lembrou que foi emitida uma nota técnica para o momento do etanercepte com o compromisso da Assistência Farmacêutica para a confecção da política. “A pandemia atrapalhou os planos para esse ano e essa discussão paralisou, mas o pessoal do Ministério sabe da importância dessa política com alinhamento necessário para vencermos os desafios, inclusive de várias moléculas biossimilares para um mesmo originador. Outro desafio é a troca de embalagem e isso dificulta na dispensação nas farmácias de alto custo”.

Segunda mesa redonda

Na mesa “Políticas sobre biológicos e biossimilares no Brasil e na América Latina”, Tatiana Sanjuan, como moderadora, falou sobre a importância dos temas discutidos ao longo do dia para o enriquecimento da Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Comentou sobre o crescimento do fornecimento público de medicamentos de alta especialização pelo Componente Especializado (CEAF), do Ministério da Saúde, que se iniciou com uma lista excepcional de medicamentos fornecidos e atualmente conta com 172 medicamentos para 101 condições clínicas, incluindo a reumatologia.

Ela destacou a construção do SUS enquanto processo coletivo da sociedade e a importância de atuar conjuntamente - médicos, gestores, produtores e pacientes - para o fortalecimento da política e melhor acesso da população visto as dificuldades próprias de uma política pública para o Brasil, país com dimensões continentais e marcadas diferenças socioeconômicas. “Os biossimilares se constituem como uma realidade no Brasil e no mundo e trazem benefícios como ampliação do acesso e desenvolvimento tecnológico para o país e Bio-Manguinhos/Fiocruz tem atuado para essa construção coletiva, realizando a aproximação com os diversos atores/stakeholders”, afirmou Sanjuan.

Flávia Albuquerque, do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF/SCTIE/MS), apresentou os desafios para o acesso aos biossimilares no país. Ela mostrou dados de comercialização de medicamentos biológicos e o impacto que isso gera na balança comercial. Além disso, ela falou das políticas públicas como as PDPs, destacando o uso do poder de compra do Ministério da Saúde e analisou vários estudos que dissertam sobre as barreiras de acesso aos medicamentos biológicos que foram utilizados para embasar a discussão da Política Nacional de Medicamentos Biológicos no âmbito do SUS.

Glaucia Santin, farmacêutica e coordenadora de estudos clínicos na Edumed, apresentou como deve ser o armazenamento domiciliar de imunobiológicos e os impactos para os biossimilares. “Estes medicamentos são termolábeis e requerem condições ótimas de estocagem, especialmente no que se refere à temperatura. Portanto, expor o medicamento biológico a condições adequadas de armazenamento pode comprometer a estabilidade físico química da molécula, os efeitos farmacológicos como a eficiência e a segurança da droga, além de causar perdas econômicas significativas para a Saúde Pública, dado o elevado custo destes medicamentos”, explicou.

Em seu estudo, ela chegou à conclusão que 82% dos pacientes não armazenam o medicamento de forma adequada, com as condições corretas de temperatura e isso pode ter efeitos na imunogenicidade. Para ela, é necessário mitigar os efeitos nocebo, realizando uma educação continuada do paciente.

Enrique Soriano, presidente da Liga Panamericana de Reumatologia (PANLAR), apresentou o futuro dos biossimilares na América Latina. O mercado de biossimilares alcançará U$ 44 bilhões no mundo até 2026 e a Ásia terá 32% de market share. Ele mostrou gráficos de tendências de mercado de diversos medicamentos reumatológicos, como infliximabe, adalimumabe e etanercepte, e mostrou a entrada de diversos biossimilares ao redor do mundo.

Soriano fez um panorama do mercado de biossimilares da América Latina que possuía valor de U$ 517 milhões em 2018. Há expectativa que alcance a casa de U$ 3,9 bilhões em 2025, ou seja, um incremento de 33% nos investimentos. Os principais players desse mercado na América Latina são Brasil, Argentina e México. Ele destacou que um dos principais desafios é implementar uma farmacovigilância ativa e um programa de pacientes efetivo para oferecer, através do monitoramento, mais segurança. Ele finalizou falando da importância de manter uma comunicação contínua com os pacientes e ouvir suas necessidades.

 

Jornalista: Gabriella Ponte. Imagem: Anya Ivanonva, Freepik

 

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