Com a confirmação de cinco casos de febre amarela no Rio e a decisão do governo do estado de imunizar contra a doença toda a população fluminense até o fim do ano, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), está trabalhando a todo vapor. Maior fabricante de vacinas do país, a instituição já opera com sua capacidade máxima e está produzindo cerca de nove milhões de doses por mês, que são distribuídas a todo o Brasil. Até o ano passado, antes de um surto atingir Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, eram fabricadas cerca de 2 milhões de vacinas mensalmente. A quantidade atual, embora maior, ainda fica aquém da necessária, caso as autoridades de saúde decidam fazer uma vacinação em massa no Rio para atingir seus 16,5 milhões de habitantes. E o plano B, na hipótese de uma epidemia, é fracionar vacinas.

— Não temos estoque de vacina. Toda nossa produção está voltada para atender a demanda, que está alta. O que estamos produzindo estamos entregando ao Ministério da Saúde — disse ontem ao GLOBO Artur Roberto Couto, diretor da Bio-Manguinhos.

Mesmo descartando a possibilidade de uma epidemia no estado, Artur revela que a estratégia de fracionar a vacina já foi adotada em Angola, em 2015, quando uma dose era dividida em cinco partes para poder imunizar um número maior de doentes no país africano. Lá, cerca de 400 pessoas morreram em consequência da febre amarela:

— Não há indício de que isso pode acontecer. Não temos registro de nenhum caso de febre amarela urbana. Mas, se isso acontecer, a solução, a curto prazo, seria fracionar a vacina, como foi feito em Angola. Aliás, este projeto foi desenvolvido na Bio-Manguinhos. ENCOMENDA PARA ONU FOI SUSPENSA A médio prazo, a ideia, diz o diretor da Bio-Manguinhos, é expandir a produção de vacinas através de parcerias. Até novembro, a Fiocruz fechará um acordo com um laboratório privado para produzir, em São Paulo, cerca de 13 milhões de doses por ano. Além disso, a Fiocruz pretende concluir, em três anos, as obras do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS), em Santa Cruz. O local terá capacidade para produzir até 300 milhões de doses anuais.

Com o aumento da procura pela vacina contra a febre amarela, a Bio-Manguinhos suspendeu uma entrega de 14 milhões de doses para a ONU. Para dar conta da demanda, também interrompeu momentaneamente a fabricação da tríplice viral, deslocando os funcionários e as máquinas que trabalhavam na imunização contra sarampo, caxumba e rubéola para o setor voltado para a febre amarela.

— Entregamos um milhão de doses na sexta-feira, quase 700 mil doses na última segunda-feira e outras 670 mil doses na quarta-feira. Até o fim de março, serão distribuídas mais três milhões de doses. Estamos trabalhando com a nossa capacidade máxima — contou o diretor.

 

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A todo vapor: com roupas especiais, funcionários fabricam em Bio-Manguinhos vacinas contra febre amarela: produção
saltou de dois milhões de doses mensais para nove milhões por conta do início do surto em três estados. Imagem: O Globo

 

Dentro do laboratório da Bio-Manguinhos, o trabalho é frenético. Enquanto as máquinas se movimentam, os técnicos trabalham concentrados. Foram realizados ajustes em todo processo produtivo já que houve aumento da procura por insumos como frascos, rolhas, embalagens e rótulos.

— Não temos estoque de vacinas, mas temos de matéria-prima. Se a nossa capacidade produtiva fosse maior, poderíamos fabricar 78 milhões de doses. Por isso, há a necessidade de expansão, com a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde. Lá teremos capacidade para produzir 60 milhões de frascos de vacinas contra a febre amarela — afirmou Antônio de Pádua Risolia Barbosa, vice-diretor de Produção da Bio-Manguinhos.

Barbosa acompanhou uma equipe do GLOBO durante uma visita às instalações da Bio-Manguinhos na manhã de ontem. Ele explicou que a produção segue um rigoroso processo de controle de qualidade.

— Apesar de estarmos operando com nossa capacidade máxima, não descuidamos do controle de qualidade. Estamos sempre passando por auditagem da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, a cada dois anos, recebemos a visita de técnicos da OMS. Além disso, nossa equipe está sempre passando por cursos de reciclagem. Há pouca margem de erro — disse.

Para visitar a linha de produção, qualquer um é obrigado a vestir roupas especiais e passar por uma higienização. O uniforme é semelhante aos usados por astronautas. Mesmo assim, em algumas áreas, apenas pessoas treinadas podem ter acesso.

— Não pode haver nenhum tipo de contaminação. O ambiente está sempre muito limpo — afirmou o vice-diretor.

Ontem, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Antonio Carlos Figueiredo Nardi, disse que a pasta estuda ampliar a vacinação contra febre amarela para crianças de todo o país. Hoje, essa imunização só está no calendário oficial nas áreas de vacinação permanente, que abrange cerca de 3,5 mil municípios. Mas, com o surto da doença, as regras poderão ser modificadas entre o segundo semestre deste ano e 2018. Nardi destacou que essa e outras mudanças no Programa Nacional de Imunização foram discutidas entre o ministério, estados e sociedades médicas no Comitê Técnico de Avaliação em Imunização, que se reúne a cada semestre.

 

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Em Minas Gerais, vivem as galinhas dos ovos de ouro

Presença constante na culinária brasileira, famoso na hora em que a fome aperta, o ovo é fundamental também na fabricação da vacina contra a febre amarela produzida pelo laboratório BioManguinhos. Mas o produto que vai à panela não é o mesmo usado pela Fiocruz: a produção da vacina depende de um tipo muito especial de ovo, cuja unidade custa R$ 8. Para efeito de comparação, uma caixa com uma dúzia de ovos comuns custa, em média, a R$ 7 nos supermercados.

O produto específico para a produção de vacina, cujo preço dobra se for importado, é hoje produzido no Brasil em uma única granja de Uberlândia, Minas Gerais: a Valo BioMedia, controlada por uma multinacional alemã.

Do momento em que a galinha põe o ovo até ele chegar ao Rio, a matéria-prima fundamental para o laboratório da Fiocruz passa por um rigoroso controle de qualidade. São ovos embrionados e livres de germes patogênicos, chamados de SPF (Specific Pathogen Free). O processo de purificação começa na seleção das galinhas, da linhagem alemã Lohman. As aves que chegam à granja são fruto de um processo de depuração que atinge três gerações dos animais. Essa é a forma de garantir a pureza da linhagem que será usada na produção.

Na granja, as aves são tratadas a pão de ló: a qualidade da ração é monitorada para que não haja qualquer impureza ou conservante. As instalações onde ficam confinadas, juntos de galos igualmente especiais que fecundam os ovos, são meticulosamente limpas. Os responsáveis pelo funcionamento da granja explicam que o ambiente é semelhante ao de uma UTI de primeiro mundo: o ar é cem por cento filtrado e apenas poucas pessoas podem ter acesso ao local.

Na Valo BioMedia, segundo contou o funcionário José Eurípedes, apenas seis pessoas podem entrar.

— Eles só entram após um processo de higienização, em que precisam tomar três banhos — afirmou, dizendo que há 20 mil galinhas na granja.

Os ovos são usados para inocular o vírus da febre amarela atenuado. Após um período específico de incubação, os embriões com vírus multiplicados são triturados para produzir a suspensão viral, que é congelada a menos 70 graus Celsius. Dessa forma, a substância estimula o organismo a desenvolver anticorpos sem desenvolver a doença.

Por semana, a Bio-Manguinhos utiliza cerca de nove mil ovos especiais. Cada ovo tem capacidade de produzir até 400 doses da vacina contra a febre amarela.

 

Fonte: Antonio Werneck e Renata Mariz / Jornal O Globo

 

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