Jose Procópio Moreno Senna, do Laboratório de Tecnologia Recombinante (Later), é bacteriologista, portanto os vírus não são objeto de sua observação cotidiana. Entretanto, desde que foi afastado das atividades presenciais em Bio-Manguinhos por conta da pandemia da COVID-19, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) entrou no foco de suas atividades.
Procópio, como é mais conhecido no Instituto, submeteu o projeto “Seleção de aptâmeros que se ligam ao receptor ACE-2 (angiotensin converting enzyme) para o bloqueio com a RDB (receptor blinding-domain) da proteína S de SARS-CoV-2” ao Edital Ideias e Produtos Inovadores - COVID-19 - Encomendas Estratégicas do Programa Inova Fiocruz.
O projeto, um dos únicos voltado ao desenvolvimento de uma nova estratégia de tratamento, foi selecionado e traz o aspecto inovador de buscar uma opção terapêutica através da pesquisa não apenas do vírus, mas principalmente de seu receptor no organismo humano. “Comecei a pesquisar sobre o novo coronavírus em março, quando ficou claro que o quadro seria muito mais grave do que aquele observado em janeiro. Quando fui afastado das atividades presenciais, comecei a ler e a me manter informado, através da literatura científica, buscando uma maneira de se neutralizar os alvos do SARS-CoV-2. O raciocínio molecular de estudo de alvos é o mesmo, seja para bactérias ou vírus”, comenta Procópio.
De acordo com o profissional do Later, as pesquisas em andamento focam majoritariamente no vírus, mas pouco em seu receptor. “Todo vírus se liga a um determinado receptor, esta é a chave da infecção viral - a ligação da partícula viral com o receptor da célula do hospedeiro”, ressalta.
Portanto, impedir esta ligação pode ser uma forma de evitar a infecção pelo SARS-CoV-2. “Existem estudos de modelagem molecular da RDB com a enzima conversora de angiotensina 2. Observei que existem aminoácidos essenciais no receptor para que esta interação ocorra. A enzima está envolvida na regulação da pressão sanguínea, está em células epiteliais e de vários tecidos, pulmão, rins, bexiga, o que explica o fato de a COVID-19 não ser apenas uma doença respiratória”, cita o pesquisador. Segundo Procópio, esta ligação se dá entre aminoácidos da RDB e uma região da ACE-2. “Se você bloquear estes aminoácidos, você bloqueia a ligação”, indica.
Outro ponto observado por Procópio é que o receptor é mais conservado que a partícula viral, já que “o vírus pode sofrer mutações”.
A partir destas duas conclusões, Procópio se fez a pergunta: que ferramenta utilizar para realizar esse bloqueio?
“São duas as ferramentas que temos disponíveis para ligação a alvos moleculares, os anticorpos monoclonais ou os aptâmeros. Ocorre que os anticorpos monoclonais causariam mais danos que benefícios ao hospedeiro, o ser humano infectado, pois agiriam sobre células em diversas partes do organismo”, ressalta o profissional do Later. A opção, então, foi pela busca de um aptâmero. “Aptâmeros são oligonucleotídos (DNA), são pequenos e altamente estáveis, não imunogênicos e podem ser produzidos por síntese química em larga escala”, pontua.
Após a conclusão, Procópio buscou o vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico de Bio-Manguinhos, Sotiris Missailidis, que é especialista em aptâmeros, para debater a abordagem e verificar a viabilidade e a capacidade técnica do Instituto em propor a inovação. A estratégia também foi discutida com virologistas do IOC. A partir de então, formulou a proposta que foi aceita no Inova Fiocruz.
“O primeiro grande desafio do projeto é um estudo minucioso da região a ser utilizada no receptor, precisamos definir uma sequência de peptídeos que contenha os aminoácidos essenciais para a ligação com a RDB. Apenas uma região desta proteína está envolvida na ligação com o SARS-CoV-2, e para esta definição é necessário estudo minucioso de Biologia Estrutural”, cita Procópio.
Este estudo de Biologia Estrutural é necessário pois, se for selecionada uma sequência de aminoácidos muito extensa, pode ocorrer a seleção de aptâmeros que se ligam com o receptor mas não impedem a ligação da RDB viral com o receptor ACE2. Para isto, o grupo pretende desenhar um peptídeo sintético, que seja estável e o mais próximo possível da proteína nativa. A partir disso, será realizada a seleção de aptâmeros.
“Um dos colaboradores (Dr Lucas Almeida) está fazendo análises estruturais através de modelos computacionais para garantir que o peptídeo selecionado seja estável, com a conformação a mais próxima possível da proteína nativa”, comenta.
As etapas futuras serão a caracterização (aproximadamente 10 aptâmeros que se ligam melhor ao peptídeo sintético), seguidos da avaliação da ligação com a proteína recombinante purificada (ACE-2) e por fim a ligação com o receptor em cultivo de células. O objetivo final é chegar aos aptâmeros que se ligam ao receptor ACE-2. Após estas etapas, estudos de neutralização in vitro deverão ser realizados
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