Na última semana começaram a ser divulgados em todo o mundo os resultados do famoso Prêmio Nobel. Na edição 2024, o prêmio de Fisiologia e Medicina foi concedido aos cientistas americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun pelas pesquisas que ambos fizeram sobre o microRNA. O trabalho da dupla ajudou a explicar como nossos genes são regulados e funcionam dentro do corpo humano, auxiliando no entendimento de como esses processos estão envolvidos no desenvolvimento e funcionamento dos diferentes tecidos e sistemas do organismo.
Segundo os responsáveis pela premiação, “a descoberta inovadora revelou um princípio completamente novo de regulação genética que se mostrou essencial para organismos multicelulares, incluindo humanos”. Os vencedores, selecionados por uma assembleia do Instituto Karolinska, da Suécia, dividem um prêmio no valor de 11 milhões de coroas suecas (R$ 5 milhões, na cotação atual).
O que é o microRNA?
Cada célula do corpo humano contém uma mesma informação genética bruta guardada em nosso DNA. Essa informação é transcrita em RNA, que é um intermediário no processo de produção de proteínas, que possuem funções essenciais na formação e manutenção da estrutura e funcionamento dos ossos, os órgãos e o sistema nervoso de maneiras diferentes e altamente especializadas. Os microRNAs trabalham como reguladores desta produção, influenciando como os genes são controlados dentro do organismo.
Os cientistas americanos premiados foram os primeiros a descobrir os microRNAs e como eles exercem controle sobre como os genes se expressam de forma diferente em tecidos diversos. Sem essa capacidade de controlar a expressão genética, todas as células de um organismo seriam idênticas. Dessa forma, a existência dos microRNAs foi um fator decisivo na evolução de formas de vida mais complexas.
A regulação anormal por microRNAs também pode contribuir para o desenvolvimento de um câncer e algumas outras condições, como perda auditiva congênita e distúrbios ósseos.
MicroRNAs e Bio-Manguinhos
É neste ponto que a pesquisa dos cientistas americanos encontra as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas em Bio-Manguinhos. Desde 2018 o Laboratório de Tecnologia Imunológica de Bio-Manguinhos (LATIM), em parceria com o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz (CDTS), trabalha no desenvolvimento de um terapêutico contra o câncer de mama triplo negativo.
O câncer de mama triplo negativo é, atualmente, o pior diagnóstico da doença, pois significa que nenhum dos três receptores das células mamárias podem servir como alvo no combate ao tumor. Pacientes com este diagnóstico acabam recebendo o tratamento tradicional, com radio e quimioterapia, mais agressivos ao organismo como um todo.
Pesquisas iniciais do CDTS descobriram que tumores com esta característica apresentam superexpressão (produção descontrolada) de cinco proteínas específicas. Aqui entra o RNA de interferência (RNAi). Esta molécula, semelhante ao microRNA, foi aplicada nas células cancerígenas in vitro a fim de silenciar a superprodução destas proteínas específicas, controlando o crescimento e até mesmo eliminando o tumor.
Como o RNA é um material genético extremamente delicado, sua introdução no corpo requer uma espécie de “caixa protetora”, que nesse caso é uma nanopartícula lipídica que garante que este material chegue integralmente ao seu destino. Coube a Bio-Manguinhos a criação desta nanopartícula. Conhecimento que ajudou o Instituto a sair na frente no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19, com base em outro tipo de RNA, que é o RNA mensageiro, que utiliza este mesmo tipo de nanopartícula lipídica, e está ajudando Bio-Manguinhos a implantar a primeira planta produtiva de RNA da América Latina.
“Ainda temos um longo caminho de estudos clínicos pela frente, mas temos muita esperança de que o desenvolvimento deste terapêutico será um grande avanço no tratamento deste e de outros tipos de câncer”, avalia Ana Paula Ano Bom, coordenadora do Laboratório de Tecnologia Imunológica de Bio-Manguinhos.
MicroRNA, RNA de interferência e RNA mensageiro
Mas qual a diferença entre MicroRNA, RNA de interferência e RNA mensageiro? Os microRNAs e os RNAs de interferência atuam controlando a produção de proteínas. Já o RNA mensageiro não exerce regulação genética, e sim atua transmitindo um “recado” para as células — como fabricar uma determinada enzima, por exemplo.
Vale lembrar que o princípio do mRNA foi usado para a construção de algumas vacinas contra a Covid-19 e os cientistas que fizeram essas pesquisas ganharam o prêmio Nobel de Medicina em 2023. Bio-Manguinhos também está desenvolvendo esta plataforma, que, por sua versatilidade, poderá servir de base para futuros imunizantes contra possíveis novas epidemias.
“O domínio dos conhecimentos em plataformas de RNA, com o RNA mensageiro e RNA de interferência, irá permitir que Bio-Manguinhos esteja preparado para o enfrentamento a novas doenças, assim como tornar mais equitativo o acesso da população brasileira e de outros países da América Latina a imunobiológicos com tecnologia de ponta”, explica Ricardo de Godoi, vice-diretor de Inovação de Bio-Manguinhos.
Jornalista: Thais Christ
Imagem: Freepik