Se as redes sociais possibilitaram a conexão entre pessoas de qualquer lugar do mundo, também se caracterizam, atualmente, pelo excesso de informação, o que dificulta muitas vezes a distinção entre o que é fato ou não, ou a clareza em relação ao peso de opiniões individuais diante dos interesses do conjunto da sociedade. É o caso do crescimento de grupos no Facebook que divulgam opiniões pessoais ou informações não comprovadas cientificamente sobre supostos perigos na vacinação infantil (ou mesmo para adultos), o que tem estimulado cada vez mais gente a não imunizar seus filhos contra doenças como sarampo e rubéola, entre outras. Encontrar um desses grupos ou entrar em contato com seus membros, porém, não é tarefa fácil, já que, pela legislação, a prática é ilegal.
 
A discussão gira em torno de doenças que estavam – ou deveriam estar – erradicadas. Em março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu alerta após um surto com mais de 500 ocorrências de sarampo em sete países (França, Alemanha, Polônia, Suíça, Ucrânia, Itália e Romênia), somando quase cinco mil casos em 12 meses somente na Europa. Enquanto a Itália aprovou, em maio, uma lei que exige a carteira de vacinação em dia para matrícula de crianças de até seis anos em escolas, os governos de Alemanha, Portugal e EUA (onde os grupos contrários a vacinas são mais numerosos) vêm tomando uma série de medidas para punir pais que não levam seus filhos aos locais definidos para a aplicação das doses.
 
No Brasil, que teve este ano um surto de febre amarela, com quase 600 casos e mais de 200 óbitos, o Ministério da Saúde registrou redução na taxa de cobertura de alguns imunizantes: por exemplo, em 2016, a segunda dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, atingiu 76,7% do público-alvo. Apesar de o país contar com reconhecidos programas públicos de vacinação, os movimentos “antivacinas” reúnem, segundo  reportagem publicada em O Estado de S. Paulo em maio, mais de 13 mil pessoas, organizadas em pelo menos cinco grupos secretos no Facebook, nos quais são compartilhados textos sobre as supostas reações às vacinas – os principais relacionando-as à ocorrência de autismo, baseando-se em um artigo publicado em 1998 pelo inglês Andrew Wakefield, na conceituada revista médica The Lancet. Descobriu-se posteriormente que o médico havia falsificado dados, e ele teve sua licença cassada pelo Conselho Médico Britânico em 2010.
 
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Akira Homma é consultor científico sênior de Bio-Manguinhos. Imagem: O Globo
Assista a um vídeo em que ele comenta sobre a segurança das vacinas brasileiras.
 
Os argumentos de quem defende a iniciativa publicamente, em geral, não divergem da necessidade de proteger as crianças, embora recaiam na ideia de que são os pais que devem escolher pelos filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90, que completa este mês 27 anos – e cuja defesa foi reafirmada pela OAB no congresso nacional sobre o tema que aconteceu no Rio de Janeiro, em junho –, e ainda outros dispositivos garantem o direito das crianças à saúde e tornam obrigatória a vacinação. Isso faz da decisão de não vacinar uma prática ilegal, e expõe uma contradição entre o direito das famílias ou individual dos pais de decidirem sobre a vida das crianças, por um lado; e a figura destas, como sujeitos de direitos, por outro. Mais de 100 anos após a Revolta da Vacina, o Estado e a sociedade brasileira voltam a se deparar com a oposição entre interesse individual e coletivo na área da saúde pública, embora em um contexto bem diferente – no qual o conhecimento e o convencimento podem ser armas mais poderosas do que a força, para, além de fazer cumprir a lei, garantir a preservação do interesse público e a efetividade dos direitos de crianças e adolescentes.
 
O caminho do convencimento é o que defende Akira Homma, consultor científico sênior de Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Membro do grupo técnico que assessora o Programa de Imunização da Organização Panamericana de Saúde (Opas/OMS), Homma cita a necessidade da população de que toda a família trabalhe para obter sustento como um dos fatores que pode explicar a redução na cobertura. “Diria que não é tanto falta de vontade, mas falta de oportunidade. Entre as várias coisas que podem explicar a queda na vacinação, a dificuldade do acesso é um ponto que pode ser melhorado. É preciso ampliar, atendendo normas detalhadas para as salas de vacinação”, defende. Ele argumenta que o mundo está mudando, “de forma muito acelerada”, em todas as áreas e atividades. “As mudanças vieram também na área de informática, e é no Facebook, principalmente, que esses grupos estão, muitas vezes divulgando informações falsas e alarmantes. O Ministério da Saúde tem que usar melhor os veículos de comunicação para esclarecer continuamente a população sobre a importância da vacinação. A proteção das crianças é um direito estabelecido por lei no ECA”, acrescenta.
 
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