A população de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, deverá ser a primeira a ser vacinada contra a febre amarela com uma dose fracionada de vacina, usando 20% da atual. A medida seria adotada em outubro, baseada em estudo realizado por Bio-Manguinhos em 2009.

Em 21 de julho, a OMS divulgou os dados mais recentes acerca da epidemia de febre amarela que já causou 117 óbitos confirmados em laboratório em Angola e outros 85 pendentes de confirmação no Congo. A administração da vacina da febre amarela com um quinto da dose normal, para controlar surtos, foi validada pelo Grupo Consultivo Estratégico de Peritos da OMS (SAGE) em Vacinação. No dia anterior, havia anunciado a nova medida, através de position paper de seu Secretariado.

“Se uma dose habitual é de 0,5 ml, pode-se aplicar uma dose de 0,1 ml, cinco vezes menor, e ela ainda é eficaz. Isso foi verificado em estudo de dose-resposta que nós fizemos com adultos por demanda do dr. Akira (Akira Homma)”, afirma o assessor científico sênior de Bio-Manguinhos, Reinaldo de Menezes.

 

Documento ONU

Documento do Secretariado da OMS que acolhe estudo de Bio-manguinhos. Imagem: Reprodução

 

Publicada em 2013, a pesquisa teve seu trabalho de campo executado em 2009-2010, período em que havia escassez de vacina. “Em fins de 2008 houve aumento da atividade de febre amarela no Planalto Central, principalmente em Brasília, e viu-se que havia macacos que tinham ido a óbito e estavam infectados por febre amarela. Foi uma correria até os postos de vacinação”, lembra Reinaldo.

Seguindo ele, desde então se sabe que a vacina de Bio-Manguinhos ainda era eficaz com uma dose 60 vezes menor que a da vacina usual. “Verificamos isso através de pesquisa clínica, 30 dias e também 10 meses depois da aplicação da vacina”, afirma.

Segundo o assessor sênior, a pesquisa foi feita com homens adultos jovens. Foram 749 voluntários analisados, com proteção “muito boa, acima de 90%”. Para implementar a estratégia, seria necessário apenas adequar as seringas. “Existe seringa de 1ml que é fracionada em 10 partes de 0,1 ml. Dessa forma a vacinação pode ser feita. Um frasco de 5 doses na verdade servirá a 25 pessoas”, explica Reinaldo.

De acordo com ele, para propor o uso de uma dose menor seria necessário fazer uma nova pesquisa clínica em crianças, já que estudos no Brasil, com crianças de 9 a 10 meses de idade, indicam que a proteção na dosagem atual fica entre 80% e 85%, abaixo da verificada em adultos. “Ainda não sabemos se a dose baixa é eficaz nessa faixa etária”, ressalta ele.

E Bio-Manguinhos já se organiza para isto. “Acabamos de estabelecer dois protocolos, o primeiro para fazer estudo em crianças, e o segundo para chamar os participantes da pesquisa de 2009-2010 e analisar como eles se encontram hoje. Esses documentos  já foram enviados para a OMS, e esperamos que eles possam colaborar conosco nos enviando os recursos necessários”, afirma o assessor.

Segundo Reinaldo, a decisão da OMS foi motivada por uma publicação na revista Lancet, baseada no estudo de Bio. “Há poucos meses perguntei primeiramente entre os colegas da Fiocruz, ao saber da epidemia na África e da falta de vacina para controlá-la: por que não aplicar uma dose menor? Eu sabia, pelo estudo que nós havíamos feito aqui, que uma dose menor é eficaz. No grupo de discussão que a OMS criou para resolver o problema da epidemia, a OMS estava estudando a diluição da vacina. Eu propus aplicar a vacina fracionada, ao invés de diluída, pois dessa forma não há nenhuma manipulação da vacina. Esse grupo gostou da ideia e publicou o artigo na revista Lancet”, lembra.

Leia o artigo publicado na Lancet

A medida, que valeria apenas durante surtos e epidemias, sem alterar a vacinação de rotina, será algo cada vez mais presente, aposta o assessor. “A área da febre amarela está expandindo por causa de aquecimento global e do aumento da circulação de pessoas. Esses dois fatores indicam que mais pessoas precisarão ser vacinadas. Eu não sei como esse vírus ainda não se instalou na Ásia. É urgente aumentar a produção e oferta de vacina para febre amarela”, reforça Reinaldo.

 

 

Jornalista: Paulo Schueler

 

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