Segundo a pesquisa, a Wolbachia fortaleceria o sistema imunológico do mosquito e diminuiria a longevidade do inseto. Assim, o mosquito Aedes aegypti não seria infectado pelo vírus da dengue e, mesmo se fosse, o inseto viveria por pouco tempo, reduzindo o risco de transmissão da doença para o homem.

Não está totalmente claro, entretanto, de que maneira a Wolbachia atua no organismo de mosquitos vetores. “Apenas a presença da bactéria já aumenta a expressão de alguns genes de imunidade no inseto”, diz o pesquisador Luciano Moreira, da Fiocruz Minas, principal autor do trabalho. De acordo com Moreira, outros fatores podem estar em ação. “Como esta bactéria é intracelular, assim como os vírus, pode ocorrer uma competição pelos nutrientes celulares”, sugere. O trabalho foi publicado em dezembro de 2009 pela revista científica Cell.

A Wolbachia tem a capacidade de se perpetuar de geração para geração. Isso porque a bactéria se localiza em vários tecidos do inseto, inclusive nos ovários, alcançando o ovo em formação e, assim, sendo transmitida para a prole. “Essa cepa de bactéria causa a incompatibilidade citoplasmática, o que dá vantagem às fêmeas infectadas pela bactéria: cruzamentos de machos infectados com fêmeas não infectadas não produzem descendentes”, explica Moreira, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade de Queensland.

Os efeitos da bactéria no organismo dos insetos vão além. Algumas cepas da Wolbachia podem, inclusive, induzir a produção de machos transexuais, tudo para ampliar a proliferação bacteriana. “A feminização talvez seja a estratégia mais óbvia para que uma bactéria como a Wolbachia seja transmitida pela mãe. Como os machos são ‘sem-saída’ para a herança de fatores do citoplasma, a conversão de machos para fêmeas dobra a chance de transmissão da bactéria para a geração seguinte. Até hoje, entretanto, esse efeito é o mais raro entre os causados pela Wolbachia”, afirma Moreira.

Vale lembrar que jamais foram encontrados mosquitos A. aegypti que carregam naturalmente bactérias Wolbachia. O processo de inserção da bactéria nesses mosquitos levou mais de quatro anos. Já outro vetor da dengue, o Aedes albopictus, hospeda naturalmente duas cepas diferentes de Wolbachia. Entretanto, ainda não se sabe se, no A. albopictus, a bactéria produz algum efeito inibidor do vírus da dengue. Esse efeito explicaria a posição do A. albopictus como vetor secundário.

A inspiração para a pesquisa veio de outro trabalho, no qual pesquisadores mostraram que a Drosophila, popularmente conhecida como mosca-das-frutas, quando infectada pela Wolbachia, ficava protegida contra vírus específicos. “A partir daí nos interessamos em descobrir qual seria o efeito para importantes doenças, como a dengue e a malária”, conta Moreira.

Foco na dengue


A pesquisa, que envolve cientistas de vários países e é coordenada pelo professor Scott O’Neill, prioriza o combate à dengue. Ela é financiada, principalmente, pela Fundação Bill e Melinda Gates. Até o próximo ano, mosquitos A. aegypti infectados com a bactéria Wolbachia devem ser liberados em áreas atingidas pela dengue na Austrália. “Tão logo seja comprovado que a bactéria é capaz de bloquear a doença nessas localidades, há planos de liberação no Vietnã e na Tailândia, onde também já existem trabalhos nesse sentido”, diz Moreira. A médio e longo prazo, a população do mosquito deve ser monitorada com o objetivo de detectar a presença da bactéria.

Embora o foco principal da pesquisa seja a dengue, os efeitos da Wolbachia sobre o A. aegypti indicam que outras doenças transmitidas pelo mosquito também poderiam ser controladas. Entre as quais destaca-se a febre Chikungunya, que ocorre em áreas tropicais da África e é responsável por surtos na Índia, na Malásia e mesmo na Europa. Trata-se de uma doença com sintomas semelhantes aos da dengue, como febre alta e dores nas articulações que podem durar de meses a anos após a infecção. Embora apresente hoje uma incidência menor, a febre Chikungunya tem potencial de se espalhar pelo mundo, já que é transmitida pelo mesmo mosquito da dengue. “O efeito da Wolbachia no bloqueio da febre amarela, também transmitida pelo A. aegypti, está no momento sendo estudado e, possivelmente, deverá trazer resultados promissores”, defende Moreira.

Vários laboratórios do mundo também já estão tentando infectar mosquitos Anopheles, transmissores da malária, com a bactéria Wolbachia. “Em nosso trabalho, mostramos que os A. aegypti que contêm a bactéria se tornam menos suscetíveis à infecção pelo parasito da malária aviária, o que nos faz acreditar que, possivelmente, o mesmo possa ocorrer em relação ao parasito que causa a doença em humanos”, comenta Moreira.

Acesse mais informações sobre o projeto.

 

 

Autor: Edson Junior/Agência Fiocruz de Notícias


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