Em meio à campanha nacional de vacinação, é oportuno relembrar a figura de Ciro de Quadros, brasileiro falecido em 28 de maio de 2014 e que teve atuação relevante na erradicação da varíola e controle da poliomielite nas Américas, dentre outros feitos. Um resumo biográfico pode ser lido em Ciro de Quadros, herói da saúde pública das Américas e do mundo, de Francisco de Paula Pinheiro. Sobre o mesmo, o assessor científico sênior de Bio-Manguinhos, Akira Homma, escreveu o artigo abaixo com exclusividade para o site do Instituto:

 

Dr. Ciro de Quadros

Escrever sobre Ciro Carlos Araújo de Quadros é muito difícil, pelo enorme trabalho que ele realizou no campo das imunizações, resultando em inúmeros fatos e conquistas, alguns de alta complexidade; por outro lado é facilitado, exatamente, devido ao reconhecimento nacional e internacional do seu trabalho e pelas conquistas. Recebeu dezenas de altas condecorações, medalhas de inúmeras instituições e países do mundo. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Fundação Oswaldo Cruz em 2005 e, em maio de 2014, cinco semanas do seu falecimento, foi nomeado “Herói da Saúde Pública das Américas” em reconhecimento aos extraordinários serviços prestados à Saúde Pública mundial.

Nos sites especializados, são encontradas inúmeras informações e publicações sobre os trabalhos realizados por Ciro de Quadros.

Portanto, vou escrever sobre alguns aspectos da vida dele, no período que por sorte, participei ajudando o Ciro em algumas áreas de imunização. Eu tive o privilégio de conhecê-lo em 1968, quando ele fazia o curso de mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Eu trabalhava no Laboratório de Virologia chefiado pelo Dr. Hermann G. Schatzmayr, e ministramos aulas sobre doenças virais e virologia em geral. Anos mais tarde, no período de 1991 a 1997, na Organização Pan-Americana de Saúde, eu era assessor regional em Biológicos, atuando em Qualidade de Vacinas e ele diretor de Imunizações, e me convidou para compor o seu grupo que trabalhava as políticas e as operações das imunizações nas Américas.

O Ciro de Quadros era muito inteligente e estudioso, discutia os temas de vacinas e vacinações com toda equipe, buscando ele próprio entender e conhecer profundamente as questões envolvidas. E também era muito, perspicaz, sensitivo, intuitivo, mas, as decisões eram tomadas em cima de evidências. Todos os dias, o almoço era no escritório dele, que liderava as discussões, perguntando, respondendo, questionando, desafiando a todos as informações sobre novas vacinas, novas abordagens e procedimentos. Todos os participantes tinham abertura para apresentar suas ideias, divergir e arguir os temas colocados. Era uma discussão absolutamente democrática e transparente de conduzir uma equipe. Muitas vezes, tínhamos convidados especializados em determinado tema e ele mantinha contatos com inúmeros profissionais de primeira grandeza na área. Desta forma, todos tinham as informações atualizadas sobre os problemas, os encaminhamentos, as soluções, e muitas vezes, eram as sementes para desenvolvimento de novas políticas e novas estratégias de trabalho.

Ciro tinha a visão do papel central exercido pelo vacinador e gestor da ponta do sistema de imunização dos países. Ele propôs e conseguiu que a cada 2 anos, fosse organizado uma reunião com presença de todos os coordenadores de imunização e seus auxiliares mais diretos dos países das Américas, reunião realizada em diferentes países das Américas, onde os profissionais de imunização recebiam informações mais recentes sobre vacinas e vacinações. E tinham a oportunidade de falar sobre a experiência de seu país e trocar informações com todos outros países. Esta reunião “Technical Advisory Committee” (TAG) prossegue ainda nos dias de hoje, sendo a maior reunião intercontinental de vacinadores.

Aliado a tudo isso, ele era muito generoso, de grande coração, muito humano. Quando recebeu o Prêmio Príncipe Mahidol da Tailândia, uma medalha, diploma, e um montante de dinheiro, ele decidiu utilizar a metade do valor recebido para criar um prêmio para o melhor vacinador das Américas, que é selecionado em reunião do TAG.

O sucesso do trabalho do Ciro é devido à sua grande liderança na condução dos trabalhos e também devido a sua grande capacidade de focar o problema e não permitir qualquer desvio da rota por outros assuntos. A sua capacidade de convencimento da importância da vacinação, junto aos governos, aos ministros da fazenda, aos políticos, às entidades privadas e aos órgãos financiadores governamentais eram as justificativas evidenciadas com dados, números, e resultados científicos. E sempre convencia a todos da importância de vacinar. E ele nunca desistia de algo que ele estava convencido. A sua persistência, obstinação, coragem em buscar os resultados – prevenção das doenças imunopreveníveis – conseguiu suspender uma guerra em El Salvador, para imunizar as crianças.

Graças ao Ciro de Quadros, milhões de vidas de crianças foram salvas, milhares de famílias não tiveram o sofrimento de criança doente ou falecimento. A dimensão do seu trabalho foi comparada com o de Oswaldo Cruz, e outros sanitaristas de renome internacional. No final de seus dias, o desejo do Ciro de Quadros foi a de que todos nós continuemos a trabalhar para o fortalecimento das atividades de vacinas e vacinações. E todos nós somos devedores deste seu desejo.

 

Akira Homma

Assessor científico sênior

Bio-Manguinhos/Fiocruz

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