Vacinação é obrigatória no Brasil
 
A institucionalização das políticas públicas de vacinação deu-se com a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), instituído pela Lei 6.259/75, e existem vários dispositivos na legislação brasileira que abordam o assunto. Segundo a integrante da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA) da Seccional Luciana Lenceh, a recusa em vacinar os filhos é um ato de negligência e pode acabar sendo considerado um crime grave, dependendo das circunstâncias. “No nosso entendimento, os pais que não vacinam seus filhos são negligentes e, portanto, devem ser responsabilizados pelas consequências dos seus atos. Se a criança vier a falecer em virtude de uma das doenças cobertas pela vacinação obrigatória, efetuada gratuitamente nos postos de saúde, pode caracterizar-se a morte por negligência. Retrocesso é a palavra que devemos utilizar para quem nega a seu filho o direito à vacina”, argumenta, lembrando que o parágrafo 1o do artigo 14 do ECA determina que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. A advogada lista algumas sanções previstas. Pelo artigo 249 do Estatuto, o descumprimento do calendário de imunização, que é parte dos “deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda”, sujeita o infrator a “multa de três a 20 salários mínimos”, sendo o dobro em caso de reincidência. Lenceh cita também a Lei 6.259/75 e o Decreto 78.231/76, que tratam da organização das ações de Vigilância Epidemiológica do Programa Nacional de Imunizações e estabelecem normas relativas à notificação compulsória de doenças. No artigo 43 do Decreto 78.231, está disposto que “a inobservância das obrigações estabelecidas na Lei 6.259” configura “infração da legislação referente à saúde pública, sujeitando o infrator às penalidades previstas”.
 
Também membro da CDCA, Lígia Gouget concorda que a legislação é clara. “Os pais têm um poder-dever, para proteger o melhor interesse da criança e do adolescente. Esses poderes são concedidos para a defesa dos direitos, uma conjugação entre poder e dever. O ECA é muito claro, a vacinação é obrigatória, o que remete ao PNI, que é uma política de saúde pública. É um olhar voltado para a população, não para o indivíduo. A visão da autoridade sanitária é do coletivo, e se distancia da dos pais, da forma como enxergam o que é melhor para a criança ou para o adolescente”, pondera.
 
Gouget descortina outro campo de análise ao considerar que, sob a perspectiva acadêmica, a questão pode gerar debate, embora sem prejudicar o fato concreto de a obrigação legal ter que ser cumprida. “Esse assunto foi objeto de um estudo recente, em que foram selecionadas famílias divididas em três grupos: um que vacinava sem questionar, outro que selecionava quais vacinas daria e um terceiro que não vacinava. A conclusão foi a de que a vacinação tem mais a ver com uma ‘cultura da imunização’, responsável por erradicar doenças no Brasil. As pessoas em geral não entendem que é algo obrigatório”, explica Gouget, citando o artigo A (não) vacinação infantil entre a cultura e a lei: os significados atribuídos por casais de camadas médias de São Paulo, publicado em fevereiro de 2017 no periódico Cadernos de Saúde Pública (CSP/Fiocruz) por pesquisadores da Universidade Católica de Santos e da Universidade de São Paulo. O editorial do referido volume do CSP tem o título Autonomia individual  vs.  proteção coletiva: a não vacinação infantil entre camadas de maior renda/escolaridade como desafio para a saúde pública. Segundo a advogada, os movimentos contrários são compostos em boa parte por pessoas com algum grau de esclarecimento, capazes de questionar conceitos e elementos éticos relacionados a políticas públicas de saúde. “O interessante é que o estudo confirma que os pais que não vacinam também estão pensando no melhor interesse da criança, só que do ponto de vista individual. Esse pensamento vem atrelado à busca por um modo de vida mais saudável, é outra forma de pensar a saúde. Mas hoje temos um pacto, visando ao que é melhor para a coletividade, inclusive para as crianças e adolescentes. Dentro dessa perspectiva, os pais não podem questionar, a vacinação é obrigatória, e isso implica sanções caso não ocorra”, reforça. Especializada em Ética aplicada e bioética pela própria Fiocruz, Gouget reconhece que há questionamentos importantes a serem feitos em relação ao tema, mas que devem estar inseridos apenas “no contexto acadêmico e filosófico”.
 
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As vacinas tem controle da qualidade da Anvisa e do INCQS / Fiocruz.
Imagem: Divulgação
 
Akira Homma diz que ouvir o que as pessoas têm a dizer é importante para trabalhar melhor. “Precisamos buscar novas formas de produzir e divulgar informação, que levem a população a participar, sem impor de cima pra baixo. Existem reações adversas, porém mínimas. As vacinas fornecidas no sistema público são garantidas por duplo controle da qualidade, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz. Uma iniciativa importante é introduzir isso via escola”, exemplifica.
 
Atualmente, escolas públicas e particulares no país podem pedir a caderneta de vacinação das crianças no ato da matrícula para alunos até o quinto ano do ensino fundamental, mas nem todas exigem a atualização das doses recebidas. Em março, os ministérios da Saúde e da Educação anunciaram a renovação da portaria conjunta do Programa Saúde na escola, que prevê ações voltadas à prevenção e promoção da saúde nas salas de aula. “É obrigatório na matrícula levar a carteira vacinal, mas não é obrigatório atualizar a carteira vacinal”, disse na ocasião o ministro da Saúde, Ricardo Barros.
 
No município do Rio de Janeiro, a Lei 5.612/13 determina que a obrigação de levar a caderneta na matrícula das redes pública e privada “aplica-se a pais e responsáveis por alunos em idade de vacinação, de acordo com a legislação em vigor”, e que se for constatada a ausência “de qualquer das vacinas obrigatórias e adequadas à idade do aluno”, o pai ou responsável terá 60 dias para regularizar a situação. Caso contrário, o conselho tutelar da área de abrangência da escola deverá ser formalmente comunicado, “para as devidas providências e reparação de direitos, sem quaisquer prejuízos à efetivação da matrícula”.
 
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 3.146/12, que dispõe sobre a apresentação do Cartão da Criança ou da Caderneta de Saúde da Criança nas escolas públicas e privadas do Sistema Nacional de Educação. Apresentado em fevereiro de 2012, o texto já foi aprovado nas comissões de  Educação e Cultura e Seguridade Social e Família, e desde março de 2015 aguarda relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A matéria está sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões, ou seja, não precisará ir à votação em plenário. De acordo com o projeto, no caso de as vacinas estarem atrasadas os pais serão orientados pela escola, que não poderá se recusar a fazer a matrícula da criança.
 
Segundo Luciana Lenceh, é “possível que os pais consigam autorização para a não vacinação, assim como obtêm para a não realização de transfusão de sangue por questões religiosas”. Porém, ela recorda que, em 2013, o Ministério Público obteve, na Comarca de Jacareí (SP), uma decisão em caráter liminar que obrigou os responsáveis por duas crianças a levá-las para serem vacinadas. “A negligência com a saúde da criança é uma afronta aos ditames do artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece ser ‘dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,  o direito à vida’, assim como o desatendimento aos deveres inseridos no exercício do poder familiar, podendo, por conseguinte, acarretar a destituição do poder familiar. Quanto a ser decisão dos pais vacinar ou não as crianças, precisamos pontuar os direitos insculpidos na Constituição Federal, dentre eles ‘a inviolabilidade do direito à vida’, no artigo 5º, além daqueles já mencionados”, resume. Existem ainda os crimes contra a saúde pública, previstos nos artigos 267 a 269 do Código Penal.
 
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