Em 28 de março de 1948 o diário A Manhã publicava a primeira edição do seu então novo suplemento, "Ciência para Todos". O personagem escolhido para retratar a ciência brasileira, na seção "Gente Nossa", foi Oswaldo Cruz.

O suplemento durou três anos, até 1950, e dele foram publicadas 34 edições - a última foi às bancas em 31 de dezembro deste ano. Esse material, hoje disponível para consulta na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, é parte do esforço de popularização dos temas relativos à ciência e saúde empreendidos no país.

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Fotocópia da matéria editada em homenagem a Oswaldo Cruz.

 

Salta aos olhos o destaque conferido a Oswaldo Cruz para a edição inaugural, que pode ser acessada diretamente aqui. Não apenas pelo homenageado servir de patrono para a seção “Gente Nossa” – destinada a retratar ícones da ciência brasileira – mas também pelo texto de homenagem ao fundador da Fiocruz, naqueles idos de 1948, serem um compilado do então “trintão” discurso proferido em 28 de maio de 1917 por outro ilustre brasileiro, Ruy Barbosa, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Oswaldo havia falecido havia pouco tempo, em 11 de fevereiro daquele 1917, em Petrópolis (RJ), quando Ruy – que também veio a perecer na Cidade Imperial, seis anos mais tarde (1923) – impressionou a toda a sociedade da então capital federal pela riqueza e profundidade de detalhes que abordou na vida e obra de Oswaldo, colocando-o no patamar de “Pasteur dos trópicos”.

Ruy, político, diplomata, advogado, jurista, popularmente conhecido como “O Águia de Haia” por representar o Brasil na Conferência de Haia, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras aos 10 anos de idade já recitava Camões. Sua paixão pela Literatura, entretanto, abarcava mais do que os clássicos – atingia a História e a Filosofia da Ciência.

Daí talvez a precisão com que retratou os avanços que o Brasil devia a Oswaldo. A íntegra do discurso de Barbosa, que gerou o compilado publicado em A Manhã, seria disponibilizada para o público 50 anos depois, em 1999, como parte das comemorações do sesquicentenário de nascimento do orador. Editado pela Casa de Ruy Barbosa, o material está disponível para leitura e download. Dele, destacamos o prefácio, escrito por Carlos Chagas Filho:


“O discurso em que Rui Barbosa, aos 28 de maio de 1917, analisa a figura e a obra de Osvaldo Cruz, é uma página que deveria ser do conhecimento de todos os brasileiros. Ao lado da qualidade da expressão do grande tribuno, encontra-se um panorama extraordinário da vida do grande criador da medicina experimental em nosso país e, ainda, apreciações profundas sobre as dificuldades que encontrou um pioneiro da qualidade do grande mestre que em Manguinhos, quase no fundo da baía, tornou possível em nosso país a realização da nova medicina que nasceu com as descobertas e os trabalhos de Louis Pasteur.

A maneira com que Rui Barbosa descreve a trajetória de Osvaldo Cruz não pode ser objeto da menor crítica. Entusiasma o leitor que a lê, que não encontra dificuldades em certas palavras pouco comuns no vocabulário corrente do brasileiro, de tal modo elas se encaixam no contexto da frase e fornecem, por isto mesmo, as condições de sua compreensão. A vida de Osvaldo Cruz é apresentada nas suas várias etapas e mostra como o jovem médico deixou uma prática médica no Rio para seguir para Paris onde começava apenas a brilhar a estrela fulgurante das descobertas e dos novos ensinamentos que Pasteur trouxe para o bem da humanidade. Um por um, cada momento da vida de Osvaldo Cruz é refletida no discurso de Rui Barbosa. Este faz o elogio do cientista de uma maneira entusiasta sem os excessos tão comuns nos louvadores de pouco gabarito, acentuando o que Osvaldo Cruz trouxe de benefício ao nosso país, em todos os aspectos de sua atividade. É claro que hoje o que mais aparece, pelo alcance de sua realização, é o combate à febre amarela, o mais terrível flagelo que assolava as fronteiras marítimas de todo o nosso país. A eliminação da febre amarela, a se iniciar nos portos do Rio de Janeiro e Santos, é a vara mágica com que se abriram à imigração nossas terras e puderam ser conhecidas de todo o mundo nossas riquezas e a qualidade de nossa gente.

Mas, mais do que isso, cumpre assinalar a penetração da medicina no interior do Brasil. Começou ela bem claramente, com a campanha profilática que acompanhou a penetração continente adentro da estrada de ferro Madeira-Mamoré e depois veio a se continuar pela irradiação de Manguinhos em todo o Brasil, seja pelo envio de missões e seus especialistas para resolverem problemas de saúde assoladores de nossa população, seja pelos cursos realizados na sede da instituição, que vieram levar, a todos os pontos do território, a magia dos exames de laboratório, seja, ainda, pela introdução no espírito das gentes da importância do combate às nossas endemias rurais.

Rui Barbosa descreve esplendidamente, e diria quase com a pureza de um gestor matemático, vários problemas que Osvaldo Cruz teve que enfrentar durante a sua atividade. Não se encontra no discurso, todavia, nenhuma referência especial a determinados atritos que desejavam desconsiderar Osvaldo Cruz para uma parte da sociedade brasileira. Apoiou-se Rui, certamente, na firmeza com que enfrentou nosso higienista o problema do espúrio ataque contra a vacina obrigatória, ou então, em consequência de uma visão genial de que a celeuma criada em torno do problema não teria validade senão pelo período de uma manhã, como disse o poeta sobre a rosa: “Ela vive o espaço de uma manhã”.

Carlos Chagas Filho”

98 anos após serem proferidas, 67 após serem editadas e 16 após serem disponibilizadas na íntegra ao público, as palavras de um dos maiores ícones do Brasil em homenagem a outro continuam a ser um material digno de destaque e divulgação.

 

Jornalista: Paulo Schueler

 

 

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